Renato de Almeida Freitas Junior (Sorocaba, 12 de
dezembro de 1983) é um jurista, político, ativista e ex-líder estudantil
brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT).[1][2] Atualmente exerce o
cargo de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Paraná.[3]
Freitas alcançou repercussão internacional após a
polêmica gerada por sua participação em um protesto pelo assassinato de Moïse
Kabagambe. O ato, que iniciou-se em uma rua de Curitiba, migrou para o interior
da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito e foi
interpretado como profanação por parte da sociedade brasileira.[4][5] O
episódio dividiu a opinião pública[6][7][8][9] e culminou com a cassação do
mandato de Freitas pela Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores de
Curitiba[10], mesmo após a Arquidiocese de Curitiba se manifestar contrária à
cassação[11]. A decisão da Câmara dos Vereadores de Curitiba foi revertida pelo
Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 23 de
setembro de 2022.[12][13]
Biografia
Renato nasceu na cidade de Sorocaba no interior
paulista. Sua mãe era retirante da cidade paraibana de Princesa Isabel que,
fugindo da miséria e da violência, decidiu juntar-se à sua irmã mais velha que
já morava em Sorocaba. Renato estava no ventre de sua mãe quando seu genitor
foi preso e transferido para o Paraná. Sua mãe mudou-se para a Vila Macedo, em
Piraquara, município que abriga o maior complexo penitenciário do estado e é um
dos municípios mais violentos do Brasil,[14] para viabilizar as visitas ao
companheiro aprisionado. O local era caracterizado pela extrema pobreza e pelo
descaso das autoridades. Após alguns anos sustentando sozinha os filhos como
empregada doméstica, a mãe de Renato descobriu que seu companheiro, mesmo encarcerado,
possuía uma outra família. Mudou-se então com os filhos para a Paraíba, onde
residiu em diferentes municípios, retornando ao Paraná após encontrar
dificuldades para se estabelecer no outro estado. Renato experimentou em sua
infância a realidade extrema da periferia brasileira: a violência, o trabalho
infantil, o uso de entorpecentes e a falta de saneamento básico.
Aos onze anos, Freitas passou a estudar em Curitiba
graças aos empregadores de sua mãe, que pagavam a sua passagem de ônibus. Em
1994, ao escutar uma fita de rap pela primeira vez, Renato afirma ter observado
uma inédita coesão em seus pensamentos. Renato familiarizou-se com a rotina do
centro de Curitiba, com os meninos infratores e seus hábitos. Aos catorze anos
a família muda-se para Pinhais, município vizinho a Piraquara e Curitiba, pois
seu irmão sofria ameaças em Piraquara. Em razão do fraco desempenho escolar
causado pela baixa frequência, Renato concluiu o ensino fundamental através de
supletivo. Enquanto cursava o ensino médio, seu genitor saiu da prisão e foi
morto em seguida.
Freitas em 2022
Renato começou a frequentar a Biblioteca Pública do
Paraná durante o tempo que flanava pelo centro de Curitiba. Ocasionalmente
pegou gosto pelo xadrez e aos poucos começou a competir em torneios municipais,
estaduais e nacionais. Observara no entanto que as pessoas que o cercavam, de
classe média-alta, tinham prioridades muito diversas das suas, pois não
precisavam ter um aguçado instinto de sobrevivência e não eram pressionados
pelas necessidades imediatas. Isso o fez se apegar aos amigos da periferia que
com ele compartilhavam o gosto musical, a raça e as dificuldades. Em 2004, após
flertar com o crime e com o desencanto, Renato ingressou no curso de Ciências
Sociais na Universidade Federal do Paraná (UFPR) mas evadiu o curso pois os
horários não o permitiam trabalhar. Em 2007, enquanto estudava visando
ingressar no curso de direito, Renato teve que lidar com o súbito assassinato
de seu irmão, João, durante um assalto à empresa onde o mesmo trabalhava.[15]
Freitas é graduado e mestre em Direito pela
Universidade Federal do Paraná. Pesquisador na área de Direito Penal,
Criminologia e Sociologia da Violência, já trabalhou na Defensoria Pública do
Estado do Paraná e atuava como professor universitário e advogado popular.[16]
Mantém relação com seus amigos de infância e juventude. Alguns presos,
sentenciados a mais de 50 anos de prisão, outros viciados em crack e uma
minoria que, após o trauma da experiência no cárcere, apegou-se ao trabalho precarizado,
braçal.[15]
Renato possui uma filha chamada Aurora.[16]
Política
Autodeclarado de esquerda, Renato Freitas participou de
três eleições. Em 2016, disputou uma das vagas para a Câmara de Curitiba pelo
Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Em 2018, já pelo Partido dos
Trabalhadores (PT), foi candidato a deputado estadual, quando obteve 15 mil
votos. No terceiro pleito consecutivo, agora para a Câmara Municipal de
Curitiba, conquistou uma das cadeiras com 5.097 votos.
Educação, segurança e moradia são as principais
bandeiras do vereador. “Sou ciente do poder emancipador que a educação tem e
desejo que essa transformação alcance todos e todas”, relata.[17]
Agressões
Durante as três campanhas eleitorais de que participou
denunciou agressões por parte de agentes de segurança pública. Em 2018, levou
dois tiros de bala de borracha disparados por um guarda municipal durante uma
ação panfletagem ao lado da Praça do Gaúcho, na região central de Curitiba. No
final de 2020, logo após ter sido eleito ao cargo de vereador em Curitiba, foi
alvo de ataques após ter sido flagrado pichando a palavra "racista"
em um toldo do supermercado Carrefour durante protesto de repúdio ao
assassinato de João Alberto de Freitas em uma unidade da loja em Porto Alegre;
“Teve policial que disse que a morte seria uma punição justa para mim pela
pichação”, afirma Renato.[18][19] Em janeiro de 2021 o vereador denunciou nas
redes sociais a presença de homens armados circulando sua casa e perguntando
para vizinhos onde ele morava. Em dezembro de 2020, a primeira vereadora negra
eleita em Curitiba, Carol Dartora (PT) também recebera ameaças de morte pelo
Twitter. Um boletim de ocorrência foi registrado no 8º Distrito Policial de
Curitiba.[20]
Freitas em 2023
No dia 4 de junho de 2021 o vereador foi preso por
agentes da Polícia Militar do Paraná enquanto participava de uma partida de
basquetebol e escutava música na Praça 29 de Março, em Curitiba. Em um vídeo
compartilhado em suas redes sociais e publicado nos meios de comunicação, os
policiais anunciam a voz de prisão a um homem por perturbação do sossego a
também dão voz de prisão ao parlamentar por “atrapalhar o trabalho da polícia”.
Na sequência, os dois são levados à viatura. Logo após a voz de prisão eles
foram pegos à força, pelos braços, e empurrados pelos policiais até uma
viatura. Em nota, a equipe do vereador disse:[21]
Renato acompanhou uma abordagem policial realizada de
forma inadequada, ferindo direitos fundamentais do cidadão em questão. O vereador
questionou o método, que é corriqueiramente aplicado pela Polícia Militar.
Entretanto, em total desrespeito às prerrogativas inerentes à sua posição,
mesmo tendo se identificado como Advogado e Vereador, Renato foi levado preso
ao Batalhão da Polícia Militar, em condições absolutamente desproporcionais e
inadequadas com relação à sua dignidade.
No dia 23 de julho do mesmo ano o vereador foi
novamente preso. Freitas estava em uma barraca do PT montada na Praça Rui
Barbosa, na capital paranaense, convocando a população para um ato contra o
presidente Jair Bolsonaro. Um apoiador do presidente tentou remover à força um
megafone utilizado pelo vereador e uma confusão foi deflagrada. No entanto,
apenas o vereador foi preso. Um vídeo divulgado pela imprensa mostra o vereador
sendo jogado ao chão, algemado e arrastado até o porta-malas de uma viatura da
Guarda Municipal de Curitiba. O vídeo também mostra os agentes debochando e
rindo de Renato durante a ação. A presidenta nacional do Partido dos
Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, repudiou a abordagem truculenta dos guardas
municipais através do Twitter.[22][23]
Incidente do dia 5 de Fevereiro de 2022
Antecedentes
No dia 24 de janeiro de 2022 o imigrante congolês Moïse
Mugenyi Kabagambe foi espancado até a morte por três homens em um quiosque na
Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O linchamento só foi noticiado no dia 29 de
janeiro[24] e resultou em protestos no Brasil e em outros países como
Inglaterra, Estados Unidos[25] e Alemanha[26], bem como uma nota da Anistia
Internacional[27]. Poucos dias após a disseminação dessa notícia, Durval
Teófilo Filho, negro, 38 anos, foi assassinado dentro do condomínio onde morava
em São Gonçalo após ter sido "confundido com um assaltante" por um
vizinho.[28]
Manifestação
Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de
São Benedito de Curitiba
O Coletivo Núcleo Periférico, movimento popular
paranaese, realizou no dia 5 de fevereiro de 2022 um ato de repúdio aos
recentes assassinatos de homens negros que dominavam os noticiários naquela
semana.[29] O local escolhido para o protesto foi o centro histórico de
Curitiba, especificamente o largo situado em frente à Igreja Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos de São Benedito. O local do ato fora escolhido pela
relação histórica que possui com a população negra na cidade: a Igreja,
inaugurada em 1737, foi construída por e para pessoas escravizadas, uma vez que
negros e negras não poderiam entrar em outras igrejas da cidade. Há relatos
históricos de que negros eram açoitados ali em frente – a poucos metros da
porta, onde hoje há um chafariz.[29] Pouco antes das 18 horas o padre Luiz Haas
encerrou uma missa e foi até a porta da igreja. Incomodado com o barulho, o
vigário interpelou alguns manifestantes que estavam na escadaria e reclamou que
tivera que encerrar a celebração por causa do vozerio. O grupo reagiu chamando
o padre de "racista". Com o princípio de confusão, o padre foi puxado
para dentro da igreja e a porta central do templo foi fechada. Quase ao mesmo
tempo, um grupo de poucas dezenas de pessoas conseguiu entrar pela lateral.
Freitas dirigiu-se até o pé do altar e, aos gritos e com punho cerrado,
comandou um protesto antirracista que durou oito minutos - durante os quais
bandeiras de partidos foram agitadas dentro do templo. Nos dias seguintes,
imagens da manifestação dentro da igreja viralizaram nas redes sociais.[8]
Repercussão e críticas
A Arquidiocese de Curitiba se manifestou sobre o caso,
repudiou o acontecido e disse que na ação do grupo houve "agressividades e
ofensas". De acordo com a arquidiocese, a ação tratou-se de profanação
injuriosa, e a "lei e a livre cidadania foram agredidas".[30] Os
vereadores Éder Borges (PSD), Pier Petruziello (PTB) e Pastor Marciano Alves
(Republicanos), opositores políticos do vereador, protocolaram representações
por quebra de decoro contra Renato Freitas, após o petista participar do
protesto dentro da igreja.[31] O Presidente da República Jair Bolsonaro
criticou a invasão da igreja, salientando o fato de que o vereador pertence ao Partido
dos Trabalhadores, principal oposição ao presidente. “Acreditando que tomarão o
poder novamente, a esquerda volta a mostrar sua verdadeira face de ódio e
desprezo às tradições do nosso povo. Se esses marginais não respeitam a casa de
Deus, um local sagrado, e ofendem a fé de milhões de cristãos, a quem irão
respeitar?”, escreveu Bolsonaro no Twitter.[32] Sérgio Moro (União) classificou
o ato como uma "absurda e revoltante invasão".[7]
Desculpas e alegações de racismo
Renato Freitas pediu desculpas às pessoas que
eventualmente sentiram-se ofendidas pelo ato, salientando o fato de que ele
também é cristão.[33] “Eu sou cristão e muitos ali são cristãos. A porta estava
aberta e nós entramos. Tinha seis viaturas da Guarda Municipal de Curitiba, que
não entrou [SIC] atrás, porque não havia crime. Era uma manifestação por vidas
negras", acrescentou. O ex-vereador diz que fez em frente ao altar uma
pequena “homilia”, lembrando que Deus condena a discriminação de pessoas, e
depois gritou vivas à vida.[8] Renato recebeu ameaças e sofreu injúria racial
após a polêmica. A mais significativa partiu do e-mail de um outro parlamentar,
Sidnei Toaldo (Patriota), contendo frases como "A Câmara de vereadores de
Curitiba não é seu lugar, Renato", "Volta para a senzala" e
"Vamos branquear Curitiba e a região Sul, queira você ou não, seu
negrinho".[7] Carol Dartora (PT), vereadora negra que também participava
da manifestação mas que não participou do ato no interior da igreja, também
sofreu injúria racial. As mensagens recebidas por ela a chamam, por exemplo, de
"macaca fedorenta" e "preta safada". Os autores dos ataques
afirmam ainda que a parlamentar "merecia estar na cadeia" e que ela
"vai pagar pelo o que fez".[33] Outra parlamentar de Curitiba relatam
que as características físicas de Renato geram desconforto e estranhamento
entre alguns membros da Câmara. Djiovanni Marioto, cientísta político da
Universidade Federal do Paraná, atribui essa aversão de outros vereadores à
cultura gentrificada da cidade de Curitiba e a uma tradicional ausência de
pessoas negras nos espaços de poder.[7]
A igreja defende o vereador
Freitas em 2022
A Arquidiocese de Curitiba chegou a apresentar ao
Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Vereadores (CMC), em março
de 2022, um documento pedindo que o vereador não fosse cassado. “A movimentação
contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho e sempre encontrará o
respaldo da Igreja. Percebe-se na militância do vereador o anseio por justiça
em favor daqueles que historicamente sofrem discriminação em nosso país. A
causa é nobre e merece respeito”.[11]
Cassação do mandato
Após meses de deliberação, no dia 5 de agosto de 2022,
Renato Freitas teve o mandato cassado. A proposta de cassação foi aprovada pela
maioria absoluta dos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba, em dois
turnos.[10] A cassação também o tornou inelegível ao cargo de deputado
estadual, posição pleiteada por Renato nas eleições a serem realizadas no dia 2
de outubro de 2022.
Recursos à cassação do mandato
A defesa do parlamentar impetrou recurso junto ao
Tribunal de Justiça do Paraná, mas tal recurso foi negado.
A defesa também havia entrado com pedido de medida
cautelar e, no dia 23 de setembro de 2022, o Ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Luís Roberto Barroso restabeleceu o mandato de Renato Freitas:
"A cassação do vereador em questão ultrapassa a
discussão quanto aos limites éticos de sua conduta, envolvendo debate sobre o
grau de proteção conferido ao exercício do direito à liberdade de expressão por
parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da
superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a
população negra no Brasil"
A liminar deferida foi justificada por Barroso com base
nos princípios de racismo estrutural e impacto desproporcional [en]:[34]
24. Como fenômeno intrinsecamente relacionado às
relações de poder e dominação, esse racismo estrutural não deixa de se
manifestar no âmbito político. Não por acaso, o protesto pacífico em favor das
vidas negras feito pelo vereador reclamante dentro de igreja motivou a primeira
cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba. Não à toa, a
população afrodescendente é sub-representada no legislativo local: são apenas 3
vereadores negros em um universo de 38 parlamentares (em uma cidade em que 24%
da população é negra)[8]. Também decorre desse caráter estrutural do racismo a
desconsideração do fato de que a igreja escolhida para a manifestação foi
justamente a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito,
instituição construída para acolher e abrigar a fé da população negra
escravizada, que não podia frequentar as outras igrejas da cidade[9]. Tampouco
se pode olvidar que a própria Arquidiocese de Curitiba, apesar de entender que
houve algum tipo de excesso, posicionou-se de forma contrária à cassação,
reconhecendo que “[a] movimentação contra o racismo é legítima, fundamenta-se
no Evangelho e sempre encontrará o respaldo da Igreja”[10]. 25. Justamente
porque o racismo está inserido nas estruturas políticas, sociais e econômicas,
é necessário atuar sobre o modo “invisível” de funcionamento das instituições e
engrenagens sociais, de modo a evitar a reprodução e a perpetuação das
desigualdades raciais. Essa percepção conduz à necessidade de uma atuação
reforçada de combate ao racismo onde quer que ele se encontre: inclusive quando
ele está refletido na aplicação equivocada de normas procedimentais
supostamente neutras. Trata-se de potencial caso de discriminação indireta,
relacionado à teoria do impacto desproporcional (disparate impact)[11], que
revela que procedimentos e normas pretensamente neutros (i.e., compatíveis com
a igualdade formal) podem produzir efeitos práticos sistematicamente
prejudiciais a grupos marginalizados, de modo a violar o princípio da igualdade
em sua vertente material.
O advogado Guilherme Gonçalves, que atua na defesa de
Freitas, afirmou saber que em algum momento "injustiça seria
corrigida". "A decisão não reconhece só a ilegalidade da cassação do
Renato Freitas, a liminar reconhece a injustiça, a inconstitucionalidade, e a
inexistência de qualquer quebra de decoro de um menino jovem, negro,
periférico, que ousa superar o apartheid social e se eleger vereador",
disse. Com a suspensão da cassação, Renato retomou sua elegibilidade para as
eleições de 2022.[13]
No momento em que Barroso decidia pela suspensão da
cassação do mandato de Freitas, o parlamentar encontrava-se na Itália para uma
audiência com o Papa Francisco.[35]
Freitas reassumiu o mandato em 10 de outubro de 2022,
uma semana depois de ser eleito deputado estadual com 57 mil votos
No comments:
Post a Comment