Tuesday, October 10, 2023

69 - Renato Freitas

 



Renato de Almeida Freitas Junior (Sorocaba, 12 de dezembro de 1983) é um jurista, político, ativista e ex-líder estudantil brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT).[1][2] Atualmente exerce o cargo de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Paraná.[3]

 

Freitas alcançou repercussão internacional após a polêmica gerada por sua participação em um protesto pelo assassinato de Moïse Kabagambe. O ato, que iniciou-se em uma rua de Curitiba, migrou para o interior da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito e foi interpretado como profanação por parte da sociedade brasileira.[4][5] O episódio dividiu a opinião pública[6][7][8][9] e culminou com a cassação do mandato de Freitas pela Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores de Curitiba[10], mesmo após a Arquidiocese de Curitiba se manifestar contrária à cassação[11]. A decisão da Câmara dos Vereadores de Curitiba foi revertida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 23 de setembro de 2022.[12][13]

 

Biografia

Renato nasceu na cidade de Sorocaba no interior paulista. Sua mãe era retirante da cidade paraibana de Princesa Isabel que, fugindo da miséria e da violência, decidiu juntar-se à sua irmã mais velha que já morava em Sorocaba. Renato estava no ventre de sua mãe quando seu genitor foi preso e transferido para o Paraná. Sua mãe mudou-se para a Vila Macedo, em Piraquara, município que abriga o maior complexo penitenciário do estado e é um dos municípios mais violentos do Brasil,[14] para viabilizar as visitas ao companheiro aprisionado. O local era caracterizado pela extrema pobreza e pelo descaso das autoridades. Após alguns anos sustentando sozinha os filhos como empregada doméstica, a mãe de Renato descobriu que seu companheiro, mesmo encarcerado, possuía uma outra família. Mudou-se então com os filhos para a Paraíba, onde residiu em diferentes municípios, retornando ao Paraná após encontrar dificuldades para se estabelecer no outro estado. Renato experimentou em sua infância a realidade extrema da periferia brasileira: a violência, o trabalho infantil, o uso de entorpecentes e a falta de saneamento básico.

 

Aos onze anos, Freitas passou a estudar em Curitiba graças aos empregadores de sua mãe, que pagavam a sua passagem de ônibus. Em 1994, ao escutar uma fita de rap pela primeira vez, Renato afirma ter observado uma inédita coesão em seus pensamentos. Renato familiarizou-se com a rotina do centro de Curitiba, com os meninos infratores e seus hábitos. Aos catorze anos a família muda-se para Pinhais, município vizinho a Piraquara e Curitiba, pois seu irmão sofria ameaças em Piraquara. Em razão do fraco desempenho escolar causado pela baixa frequência, Renato concluiu o ensino fundamental através de supletivo. Enquanto cursava o ensino médio, seu genitor saiu da prisão e foi morto em seguida.

 

 

Freitas em 2022

Renato começou a frequentar a Biblioteca Pública do Paraná durante o tempo que flanava pelo centro de Curitiba. Ocasionalmente pegou gosto pelo xadrez e aos poucos começou a competir em torneios municipais, estaduais e nacionais. Observara no entanto que as pessoas que o cercavam, de classe média-alta, tinham prioridades muito diversas das suas, pois não precisavam ter um aguçado instinto de sobrevivência e não eram pressionados pelas necessidades imediatas. Isso o fez se apegar aos amigos da periferia que com ele compartilhavam o gosto musical, a raça e as dificuldades. Em 2004, após flertar com o crime e com o desencanto, Renato ingressou no curso de Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná (UFPR) mas evadiu o curso pois os horários não o permitiam trabalhar. Em 2007, enquanto estudava visando ingressar no curso de direito, Renato teve que lidar com o súbito assassinato de seu irmão, João, durante um assalto à empresa onde o mesmo trabalhava.[15]

 

Freitas é graduado e mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador na área de Direito Penal, Criminologia e Sociologia da Violência, já trabalhou na Defensoria Pública do Estado do Paraná e atuava como professor universitário e advogado popular.[16] Mantém relação com seus amigos de infância e juventude. Alguns presos, sentenciados a mais de 50 anos de prisão, outros viciados em crack e uma minoria que, após o trauma da experiência no cárcere, apegou-se ao trabalho precarizado, braçal.[15]

 

Renato possui uma filha chamada Aurora.[16]

 

Política

Autodeclarado de esquerda, Renato Freitas participou de três eleições. Em 2016, disputou uma das vagas para a Câmara de Curitiba pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Em 2018, já pelo Partido dos Trabalhadores (PT), foi candidato a deputado estadual, quando obteve 15 mil votos. No terceiro pleito consecutivo, agora para a Câmara Municipal de Curitiba, conquistou uma das cadeiras com 5.097 votos.

 

Educação, segurança e moradia são as principais bandeiras do vereador. “Sou ciente do poder emancipador que a educação tem e desejo que essa transformação alcance todos e todas”, relata.[17]

 

Agressões

Durante as três campanhas eleitorais de que participou denunciou agressões por parte de agentes de segurança pública. Em 2018, levou dois tiros de bala de borracha disparados por um guarda municipal durante uma ação panfletagem ao lado da Praça do Gaúcho, na região central de Curitiba. No final de 2020, logo após ter sido eleito ao cargo de vereador em Curitiba, foi alvo de ataques após ter sido flagrado pichando a palavra "racista" em um toldo do supermercado Carrefour durante protesto de repúdio ao assassinato de João Alberto de Freitas em uma unidade da loja em Porto Alegre; “Teve policial que disse que a morte seria uma punição justa para mim pela pichação”, afirma Renato.[18][19] Em janeiro de 2021 o vereador denunciou nas redes sociais a presença de homens armados circulando sua casa e perguntando para vizinhos onde ele morava. Em dezembro de 2020, a primeira vereadora negra eleita em Curitiba, Carol Dartora (PT) também recebera ameaças de morte pelo Twitter. Um boletim de ocorrência foi registrado no 8º Distrito Policial de Curitiba.[20]

 

 

Freitas em 2023

No dia 4 de junho de 2021 o vereador foi preso por agentes da Polícia Militar do Paraná enquanto participava de uma partida de basquetebol e escutava música na Praça 29 de Março, em Curitiba. Em um vídeo compartilhado em suas redes sociais e publicado nos meios de comunicação, os policiais anunciam a voz de prisão a um homem por perturbação do sossego a também dão voz de prisão ao parlamentar por “atrapalhar o trabalho da polícia”. Na sequência, os dois são levados à viatura. Logo após a voz de prisão eles foram pegos à força, pelos braços, e empurrados pelos policiais até uma viatura. Em nota, a equipe do vereador disse:[21]

 

Renato acompanhou uma abordagem policial realizada de forma inadequada, ferindo direitos fundamentais do cidadão em questão. O vereador questionou o método, que é corriqueiramente aplicado pela Polícia Militar. Entretanto, em total desrespeito às prerrogativas inerentes à sua posição, mesmo tendo se identificado como Advogado e Vereador, Renato foi levado preso ao Batalhão da Polícia Militar, em condições absolutamente desproporcionais e inadequadas com relação à sua dignidade.

 

No dia 23 de julho do mesmo ano o vereador foi novamente preso. Freitas estava em uma barraca do PT montada na Praça Rui Barbosa, na capital paranaense, convocando a população para um ato contra o presidente Jair Bolsonaro. Um apoiador do presidente tentou remover à força um megafone utilizado pelo vereador e uma confusão foi deflagrada. No entanto, apenas o vereador foi preso. Um vídeo divulgado pela imprensa mostra o vereador sendo jogado ao chão, algemado e arrastado até o porta-malas de uma viatura da Guarda Municipal de Curitiba. O vídeo também mostra os agentes debochando e rindo de Renato durante a ação. A presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmann, repudiou a abordagem truculenta dos guardas municipais através do Twitter.[22][23]

 

Incidente do dia 5 de Fevereiro de 2022

Antecedentes

No dia 24 de janeiro de 2022 o imigrante congolês Moïse Mugenyi Kabagambe foi espancado até a morte por três homens em um quiosque na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. O linchamento só foi noticiado no dia 29 de janeiro[24] e resultou em protestos no Brasil e em outros países como Inglaterra, Estados Unidos[25] e Alemanha[26], bem como uma nota da Anistia Internacional[27]. Poucos dias após a disseminação dessa notícia, Durval Teófilo Filho, negro, 38 anos, foi assassinado dentro do condomínio onde morava em São Gonçalo após ter sido "confundido com um assaltante" por um vizinho.[28]

 

Manifestação

 

Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito de Curitiba

O Coletivo Núcleo Periférico, movimento popular paranaese, realizou no dia 5 de fevereiro de 2022 um ato de repúdio aos recentes assassinatos de homens negros que dominavam os noticiários naquela semana.[29] O local escolhido para o protesto foi o centro histórico de Curitiba, especificamente o largo situado em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito. O local do ato fora escolhido pela relação histórica que possui com a população negra na cidade: a Igreja, inaugurada em 1737, foi construída por e para pessoas escravizadas, uma vez que negros e negras não poderiam entrar em outras igrejas da cidade. Há relatos históricos de que negros eram açoitados ali em frente – a poucos metros da porta, onde hoje há um chafariz.[29] Pouco antes das 18 horas o padre Luiz Haas encerrou uma missa e foi até a porta da igreja. Incomodado com o barulho, o vigário interpelou alguns manifestantes que estavam na escadaria e reclamou que tivera que encerrar a celebração por causa do vozerio. O grupo reagiu chamando o padre de "racista". Com o princípio de confusão, o padre foi puxado para dentro da igreja e a porta central do templo foi fechada. Quase ao mesmo tempo, um grupo de poucas dezenas de pessoas conseguiu entrar pela lateral. Freitas dirigiu-se até o pé do altar e, aos gritos e com punho cerrado, comandou um protesto antirracista que durou oito minutos - durante os quais bandeiras de partidos foram agitadas dentro do templo. Nos dias seguintes, imagens da manifestação dentro da igreja viralizaram nas redes sociais.[8]

 

Repercussão e críticas

A Arquidiocese de Curitiba se manifestou sobre o caso, repudiou o acontecido e disse que na ação do grupo houve "agressividades e ofensas". De acordo com a arquidiocese, a ação tratou-se de profanação injuriosa, e a "lei e a livre cidadania foram agredidas".[30] Os vereadores Éder Borges (PSD), Pier Petruziello (PTB) e Pastor Marciano Alves (Republicanos), opositores políticos do vereador, protocolaram representações por quebra de decoro contra Renato Freitas, após o petista participar do protesto dentro da igreja.[31] O Presidente da República Jair Bolsonaro criticou a invasão da igreja, salientando o fato de que o vereador pertence ao Partido dos Trabalhadores, principal oposição ao presidente. “Acreditando que tomarão o poder novamente, a esquerda volta a mostrar sua verdadeira face de ódio e desprezo às tradições do nosso povo. Se esses marginais não respeitam a casa de Deus, um local sagrado, e ofendem a fé de milhões de cristãos, a quem irão respeitar?”, escreveu Bolsonaro no Twitter.[32] Sérgio Moro (União) classificou o ato como uma "absurda e revoltante invasão".[7]

 

Desculpas e alegações de racismo

Renato Freitas pediu desculpas às pessoas que eventualmente sentiram-se ofendidas pelo ato, salientando o fato de que ele também é cristão.[33] “Eu sou cristão e muitos ali são cristãos. A porta estava aberta e nós entramos. Tinha seis viaturas da Guarda Municipal de Curitiba, que não entrou [SIC] atrás, porque não havia crime. Era uma manifestação por vidas negras", acrescentou. O ex-vereador diz que fez em frente ao altar uma pequena “homilia”, lembrando que Deus condena a discriminação de pessoas, e depois gritou vivas à vida.[8] Renato recebeu ameaças e sofreu injúria racial após a polêmica. A mais significativa partiu do e-mail de um outro parlamentar, Sidnei Toaldo (Patriota), contendo frases como "A Câmara de vereadores de Curitiba não é seu lugar, Renato", "Volta para a senzala" e "Vamos branquear Curitiba e a região Sul, queira você ou não, seu negrinho".[7] Carol Dartora (PT), vereadora negra que também participava da manifestação mas que não participou do ato no interior da igreja, também sofreu injúria racial. As mensagens recebidas por ela a chamam, por exemplo, de "macaca fedorenta" e "preta safada". Os autores dos ataques afirmam ainda que a parlamentar "merecia estar na cadeia" e que ela "vai pagar pelo o que fez".[33] Outra parlamentar de Curitiba relatam que as características físicas de Renato geram desconforto e estranhamento entre alguns membros da Câmara. Djiovanni Marioto, cientísta político da Universidade Federal do Paraná, atribui essa aversão de outros vereadores à cultura gentrificada da cidade de Curitiba e a uma tradicional ausência de pessoas negras nos espaços de poder.[7]

 

A igreja defende o vereador

 

Freitas em 2022

A Arquidiocese de Curitiba chegou a apresentar ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara de Vereadores (CMC), em março de 2022, um documento pedindo que o vereador não fosse cassado. “A movimentação contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho e sempre encontrará o respaldo da Igreja. Percebe-se na militância do vereador o anseio por justiça em favor daqueles que historicamente sofrem discriminação em nosso país. A causa é nobre e merece respeito”.[11]

 

Cassação do mandato

Após meses de deliberação, no dia 5 de agosto de 2022, Renato Freitas teve o mandato cassado. A proposta de cassação foi aprovada pela maioria absoluta dos vereadores da Câmara Municipal de Curitiba, em dois turnos.[10] A cassação também o tornou inelegível ao cargo de deputado estadual, posição pleiteada por Renato nas eleições a serem realizadas no dia 2 de outubro de 2022.

 

Recursos à cassação do mandato

A defesa do parlamentar impetrou recurso junto ao Tribunal de Justiça do Paraná, mas tal recurso foi negado.

 

A defesa também havia entrado com pedido de medida cautelar e, no dia 23 de setembro de 2022, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso restabeleceu o mandato de Renato Freitas:

 

"A cassação do vereador em questão ultrapassa a discussão quanto aos limites éticos de sua conduta, envolvendo debate sobre o grau de proteção conferido ao exercício do direito à liberdade de expressão por parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a população negra no Brasil"

 

A liminar deferida foi justificada por Barroso com base nos princípios de racismo estrutural e impacto desproporcional [en]:[34]

 

24. Como fenômeno intrinsecamente relacionado às relações de poder e dominação, esse racismo estrutural não deixa de se manifestar no âmbito político. Não por acaso, o protesto pacífico em favor das vidas negras feito pelo vereador reclamante dentro de igreja motivou a primeira cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba. Não à toa, a população afrodescendente é sub-representada no legislativo local: são apenas 3 vereadores negros em um universo de 38 parlamentares (em uma cidade em que 24% da população é negra)[8]. Também decorre desse caráter estrutural do racismo a desconsideração do fato de que a igreja escolhida para a manifestação foi justamente a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, instituição construída para acolher e abrigar a fé da população negra escravizada, que não podia frequentar as outras igrejas da cidade[9]. Tampouco se pode olvidar que a própria Arquidiocese de Curitiba, apesar de entender que houve algum tipo de excesso, posicionou-se de forma contrária à cassação, reconhecendo que “[a] movimentação contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho e sempre encontrará o respaldo da Igreja”[10]. 25. Justamente porque o racismo está inserido nas estruturas políticas, sociais e econômicas, é necessário atuar sobre o modo “invisível” de funcionamento das instituições e engrenagens sociais, de modo a evitar a reprodução e a perpetuação das desigualdades raciais. Essa percepção conduz à necessidade de uma atuação reforçada de combate ao racismo onde quer que ele se encontre: inclusive quando ele está refletido na aplicação equivocada de normas procedimentais supostamente neutras. Trata-se de potencial caso de discriminação indireta, relacionado à teoria do impacto desproporcional (disparate impact)[11], que revela que procedimentos e normas pretensamente neutros (i.e., compatíveis com a igualdade formal) podem produzir efeitos práticos sistematicamente prejudiciais a grupos marginalizados, de modo a violar o princípio da igualdade em sua vertente material.

 

O advogado Guilherme Gonçalves, que atua na defesa de Freitas, afirmou saber que em algum momento "injustiça seria corrigida". "A decisão não reconhece só a ilegalidade da cassação do Renato Freitas, a liminar reconhece a injustiça, a inconstitucionalidade, e a inexistência de qualquer quebra de decoro de um menino jovem, negro, periférico, que ousa superar o apartheid social e se eleger vereador", disse. Com a suspensão da cassação, Renato retomou sua elegibilidade para as eleições de 2022.[13]

 

No momento em que Barroso decidia pela suspensão da cassação do mandato de Freitas, o parlamentar encontrava-se na Itália para uma audiência com o Papa Francisco.[35]

 

Freitas reassumiu o mandato em 10 de outubro de 2022, uma semana depois de ser eleito deputado estadual com 57 mil votos


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