Palas Atena é a deusa grega da sabedoria, das artes, da inteligência, da guerra e da justiça.
Considerada protetora das cidades, dos arquitetos, dos tecelões e dos ourives, ela foi cultuada em toda a Grécia Antiga, nas colônias gregas da Ásia Menor, na Península Ibérica, no norte da África e na Índia.
Atena ou Atená[1][2][3][4] (em grego: Αθηνά,
transl.: Athēná, ver seção Nome), também conhecida como Palas
Atena (em grego: Παλλάς Αθηνά, transl.: Pallás Athēná) ou grafada como
Atene,[2][5] é,
na mitologia grega, a deusa da civilização,
da sabedoria, da estratégia em batalha, das artes, da justiça e da habilidade.
Uma das principais divindades do panteão grego e um dos doze deuses olímpicos,
Atena recebeu culto em toda a Grécia Antiga e em toda a sua área de influência,
desde as colônias gregas da Ásia Menor até as da Península Ibérica e norte da
África. Sua presença é atestada até nas proximidades da Índia. Por isso seu
culto assumiu muitas formas, além de sua figura ter sido sincretizada com
várias outras divindades das regiões em torno do Mediterrâneo, ampliando a
variedade das formas de culto.
A versão mais corrente de seu mito a dá como filha
partenogênica de Zeus, nascendo de sua cabeça plenamente armada. Jamais se
casou ou tomou amantes, mantendo uma virgindade perpétua. Era imbatível na
guerra, nem mesmo Ares lhe fazia páreo. Foi padroeira de várias cidades, mas se
tornou mais conhecida como a protetora de Atenas e de toda a Ática. Também
protegeu vários heróis e outras figuras míticas, aparecendo em uma grande
quantidade de episódios da mitologia.
Foi uma das deusas mais representadas na arte grega e
sua simbologia exerceu profunda influência sobre o pensamento grego, em
especial nos conceitos relativos à justiça, à sabedoria e à função civilizadora
da cultura e das artes, cujos reflexos são perceptíveis até nos dias de hoje em
todo o ocidente. Sua imagem sofreu várias transformações ao longo dos séculos,
incorporando novos atributos, interagindo com novos contextos e influenciando
outras figuras simbólicas; foi usada por vários regimes políticos para
legitimação de seus princípios, e penetrou inclusive na cultura popular. Sua
intrigante identidade de gênero tem sido de especial apelo para os escritores
ligados ao feminismo e à psicologia e algumas correntes religiosas
contemporâneas voltaram a lhe prestar verdadeiro culto.
Nome
Estáter macedônico de ouro com efígie de Atena, c.
323-297 a.C. Museu do Louvre
O nome Atena, cujo significado é desconhecido e
possivelmente tem uma origem asiática,[6] é a versão portuguesa do grego ático Αθηνά,
Athēnā,
um nome que também era encontrado em outras variantes: Aθηναία,
Athēnaia;
Aθηναίη,
Athēnaiē
(no grego épico);
Aθήνη,
Athēnē
(no grego jônico);
Aθάνα,
Athana (no grego dórico).
Também era conhecida como Palas
Atena (Παλλάς Αθηνά).
Tem sido objeto de longa disputa acadêmica se a cidade de Atenas, da qual era a
padroeira, tomou seu nome da deusa ou se foi a cidade que lhe emprestou seu
nome. Em vista da ocorrência comum de sufixos "ena" para a
denominação de localidades, é possível que a última hipótese seja a verdadeira.
O primeiro registro conhecido do nome da deusa foi encontrado em Cnossos, em
uma tabuleta em Linear B, a antiga escrita dos povos micênicos usada entre os
séculos XV e XII a.C. Ali ele aparece como a-ta-na po-ti-ni-ja, que tem sido
traduzido como "Senhora de Atenas"[7] ou "Senhora
Atena".[8] Para os atenienses ela era mais do que uma das muitas deusas do
panteão grego, era "a" deusa, he theos. O significado do nome Palas é
obscuro, às vezes é traduzido como "donzela", outras como
"aquela que brande armas", e pode ter também uma origem não-grega.[7]
Uma tradição relatada pelo Pseudo-Apolodoro conta que o
nome Palas pertencia originalmente a uma filha de Tritão, uma divindade marinha
por sua vez filho de Posídon e Anfitrite. Ambas teriam sido criadas juntas por
Tritão e, compartilhando de um caráter belicoso semelhante, passavam o tempo
entretidas em atividades militares, o que certa vez acabou por conduzi-las a
uma disputa. Estando Palas prestes a desferir um golpe sobre Atena, Zeus
interveio distraindo-a com sua égide, no que Atena, aproveitando o lapso,
feriu-a de morte. Extremamente entristecida com o sucedido, Atena modelou uma
estátua com as feições de Palas, a que chamou de Paládio, e a envolveu com a
égide que lhe havia precipitado a morte, instalando a obra ao lado do trono de
Zeus, rendendo-lhe honras e tomando o nome da amiga como uma homenagem. Mais
tarde Electra, perseguida por Zeus, buscou refúgio junto a esta estátua, mas
Zeus arremessou-a sobre a terra, onde Ilo, vendo-a cair diante de si, tomou
isso como sinal divino, fundando no local a cidade de Troia e preservando a
estátua em um santuário.[9] Também foi dito que ela adotara o nome do gigante
alado Palas, a quem ela matou por ele ter atentado contra a sua virgindade.
Depois disso ela o teria esfolado, fazendo da pele a sua égide, arrancado suas
asas para atá-las aos seus próprios pés e assumido o seu nome,[10] pelo que sua
façanha seria imortalizada.[11]
Epítetos
Palas Atena, pintura de Rembrandt, 1657
Na vasta região em que Atena foi cultuada recebeu uma
variedade de epítetos. Segue uma lista incompleta, excluindo-se também os
simplesmente toponímicos: Étia (Aithyia), a que mergulha, associado à sua
função de instrutora nas artes da navegação e construção de navios; Agelceia
(Agelkeia), líder ou protetora do povo; Agórea (Agoraia), protetora das
assembleias; Alalcômene (Alalkomenêïs), poderosa defensora; Álcis (Alkis), a
forte; Ambúlia (Amboulia), possivelmente significando aquela que atrasa a
morte; Anêmotis (Anemôtis), a que domina os ventos; Areia, guerreira; Arcégetis
(Arkhegetis), fundadora; Axiópino (Axiopoinos), vingadora; Cálcico
(Chalkioikos), a que tem uma casa de bronze; Calínita (Chalinitis), a que
domina os cavalos através das rédeas; Érgane (Erganê), trabalhadora, associado
à sua função de instrutora da humanidade em todos os trabalhos manuais e
artísticos;[10][12] Gláucope (Glaucopis), de olhos brilhantes,[13] olhos de
mocho-galego (γλαύξ);[14]
Hípia (Hippia), equestre,
domadora de cavalos; Higieia (Hygieia), deusa da saúde; Mequaneu (Mêchaneus),
habilidosa em invenções; Nice (Nike), vitoriosa; Peônia (Paiônia), curadora;
Parteno (Parthenos), virgem; Polias ou Políuco (Poliouchos), protetora das
cidades; Prômaco (Promakhos), campeã ou aquela que guerreia na vanguarda; Sótira
(Sôteira), salvadora; Trito (Tritô), nascida da cabeça; Xênia, protetora dos
estrangeiros e patrona da hospitalidade.[10][12]
Mito
Origens
A sua citação em uma tabuleta em Linear B atesta que
Atena estava presente entre os gregos desde uma data muito antiga, antes mesmo
de a civilização grega tomar a forma pela qual se tornou célebre. Diversos
pesquisadores têm tentado traçar as origens de seu culto, mas nada pôde ser
provado conclusivamente; ele pode ter derivado da adoração da Deusa Serpente ou
da Deusa do Escudo da Civilização Minoica, ou da Grande Mãe dos povos
indo-europeus,[15] ou ser uma importação diretamente oriental, a partir da
identificação de alguns de seus principais atributos primitivos, a guerra e a
proteção das cidades, com os de várias outras deusas cultuadas no Oriente
Próximo desde a pré-história. Sua história entre os gregos até o fim da Idade
das Trevas é de difícil reconstrução, mas é certo que quando surgem as
primeiras descrições literárias sobre Atena, no século VIII a.C., seu culto já
estava firmemente estabelecido não só em Atenas, mas em muitos outros pontos da
Grécia, como Argos, Esparta, Lindos, Lárissa e Ílion, geralmente lhe atribuindo
uma função de protetora das cidades e especificamente das cidadelas, tendo um
templo no centro das cidadelas muradas, e sendo, por extensão, uma deusa
guerreira.[16]
O nascimento de Atena, pintura em trípode grega, c.
570-560 a.C. Museu do Louvre
Encontra-se na Teogonia de Hesíodo o mais antigo relato
conhecido sobre o nascimento de Atena, apresentado em duas variantes. Na
primeira, Atena seria fruto da união de Métis e Zeus. Métis, uma personificação
da prudência e do bom conselho e a mais sábia dos imortais, foi a primeira
esposa de Zeus, o rei dos deuses. Entretanto, sendo avisado por Gaia, a terra,
e Urano, o céu, de que o filho que haveria de nascer de Métis após Atena seria
mais poderoso que o pai, e ele por conseguinte corria o risco de ser
destronado, assim como ele destronara seu próprio pai Cronos. Através de um
estratagema Zeus enganou Métis e a engoliu. Não obstante, Métis gerou Atena no
ventre de Zeus, e a filha veio à luz pela cabeça do pai às margens do rio
Tritão, já completamente adulta e armada. Na segunda versão Hesíodo disse que
Atena fora filha exclusivamente de Zeus, nascendo logo após seu casamento com
Hera, o que teria sido causa de um confronto com a esposa. Ela, injuriada,
também deu nascimento a um filho sem unir-se ao esposo: Hefesto.[17]
Narrativas mais tardias enriqueceram as circunstâncias
do seu nascimento com novos eventos, dizendo que antes de Atena nascer Zeus
começou a sentir uma insuportável dor de cabeça, e pediu que Hefesto lhe
abrisse o crânio com um machado. Outros relatos colocam Hermes, Prometeu ou
Palamon como assistentes neste parto incomum. Também foi apresentada como filha
do gigante Palas. Uma versão do mito cultivada na Líbia a colocou como filha de
Posídon com a ninfa Tritonis, e, em certa ocasião, zangada com o pai, teria
pedido para Zeus adotá-la. Sua conexão com o rio Tritão fez com que cada cidade
onde corresse um rio com este nome, e eram muitas, reivindicasse ser o seu
local de nascimento. A rápida expansão do seu culto por uma vasta região
explica as variantes sobre o seu nascimento e as múltiplas histórias míticas
onde ela tomou parte, que certamente incorporam lendas locais.[10]
Outros episódios
Pintura em vaso grego representando Diomedes capturando
o Paládio. Gliptoteca de Munique
Do período arcaico em diante, até a era romana, o mito
de Atena foi significativamente ampliado e enriquecido com uma profusão de
outras histórias. Na Ilíada de Homero são narrados alguns eventos com a
participação de Atena. Foi mostrada como sentando à direita de seu pai Zeus e
provendo-o de aconselhamento;[18] conduziu a carruagem de Diomedes e o incitou
a ferir Ares, foi a responsável pela morte de Ájax, e estimulou os gregos
contra os troianos misturando-se ao exército e proferindo gritos de guerra. Teve
uma atuação indireta na captura do Paládio pelos gregos, que assegurou a queda
de Troia, pois uma profecia dizia que enquanto o Paládio permanecesse em posse
dos troianos a cidade seria inexpugnável. Sua manifestação mais importante foi
para Aquiles: favoreceu-o na disputa com Agamenão aconselhando que ele
moderasse sua fúria, e colaborou na morte de Heitor enganando-o e devolvendo a
espada para Aquiles. Também na Odisseia ela fez expressivas aparições. Foi a
protetora de Odisseu em toda a longa e perigosa viagem de volta para casa, e
quando ele chegou finalmente a Ítaca sem reconhecê-la, entregando-se ao
desalento, a deusa o fez perceber que seu périplo havia terminado. Ela
acrescentou que estava perpetuamente ligada a Odisseu pelo fato de que ele era
tido como o mais astuto dos mortais, enquanto que ela era a mais sábia e
engenhosa dentre os deuses.[19] Também favoreceu Telêmaco, filho de Odisseu,
disfarçando-se de Mentor, o seu tutor, aconselhando-o a ir informar-se sobre o
destino de seu pai, profetizando que ele em breve estaria de volta, e mais
tarde instruindo-o como agir contra os pretendentes de sua mãe Penélope. Sob o
mesmo disfarce apresentou-se diante dos pretendentes no momento da luta final,
incitando Odisseu contra eles e, transformando-se em andorinha, desviando suas
lanças.[20]
Atena combatendo Encélado, pintura em prato grego, c.
525 a.C. Museu do Louvre
Hesíodo referiu que Atena vestiu Pandora com um manto
de prata e um maravilhoso véu bordado, pondo-lhe na cabeça uma guirlanda de
flores e uma coroa de ouro fabricada por Hefesto.[21] Foi uma aliada de Zeus na
luta contra os titãs, e mais tarde contra os gigantes, encarregando-se de
buscar a ajuda de Hércules, contribuindo na morte do gigante Alcioneu, e
matando Encélado lançando sobre ele a ilha da Sicília.[22] Pseudo-Apolodoro
narrou que quando Cécrops tornou-se rei da Ática os deuses olímpicos decidiram
repartir o reino a fim de estabelecerem seus cultos nas várias cidades. Posídon
chegou primeiro à capital recém-fundada e com seu tridente feriu o solo da
Acrópole, de onde brotou uma fonte de água salgada. Atena apareceu depois dele,
mas reivindicou a posse da cidade plantando ali a primeira oliveira. Ambos
iniciaram uma disputa, e Zeus designou como árbitros os olímpicos. Atenas foi
declarada vencedora porque a oliveira foi considerada mais útil para os
humanos. Assumiu a tutela da cidade e emprestou-lhe o seu nome. Mais tarde
Atena foi encomendar armas a Hefesto, mas este, tomado de paixão pela deusa,
tentou seduzi-la. Ela repeliu seu avanço, mas não obstante Hefesto ejaculou
sobre a sua coxa. Atena limpou o sêmen e enojada arrojou o pano que usara sobre
a terra. Gaia, a terra, em segredo gerou um filho da semente de Hefesto,
Erictônio, planejando torná-lo imortal. Colocou-o dentro de um cesto, que
confiou aos cuidados de uma filha de Cécrops, Pândroso, mas proibindo-a de
olhar seu conteúdo. As irmãs de Pândroso, vencidas pela curiosidade, abriram o
cesto mas se horrorizaram ante a visão de uma serpente envolvendo o bebê. O
Pseudo-Apolorodo continuou a história dizendo que algumas versões do mito
mostram em seguida as irmãs morrendo pela picada da serpente, ou tornadas
loucas pela ira de Atena, que por fim as arremessou do alto da Acrópole. Atena
então tomou a criança e a criou numa gruta sagrada. Ao chegar à idade adulta,
Erictônio expulsou Anfictião e tornou-se rei de Atenas, quando introduziu o
festival das Panatenaias, o mais importante dentre os festivais religiosos
dedicados a Atena. A deusa também participou de um concurso de beleza junto com
Afrodite e Hera, tendo como juiz Páris. Hera ofereceu a Páris o domínio sobre
todos os reis da Terra se fosse a escolhida; Atena, a vitória em todas as
guerras, mas Afrodite, prometendo casá-lo com Helena de Troia, a mais bela das
mulheres, acabou vencendo.[23]
Vários personagens míticos foram punidos por Atena em
consequência de profanações, húbris ou ultrajes à sua divindade, como as irmãs
de Pândroso, há pouco citadas. Ájax, filho de Ileu, príncipe da Lócrida, por
ter estuprado Cassandra dentro do santuário de Atena,[24] foi punido com o
naufrágio do seu barco, que a deusa atingiu com um raio.[25] Seu povo também
teve de pagar pela ofensa, sendo assolado por uma praga e sendo obrigado a
expiá-la por mil anos enviando duas donzelas anualmente para serem sacrificadas
pelos troianos. Para castigar Auge, sua sacerdotisa, que tivera relações
sexuais dentro do seu santuário na Arcádia, tornou a região infértil até que o
rei a expulsasse, vendendo-a como escrava. Pelo mesmo motivo mandou que Tideu
matasse Ismene, princesa da Beócia. Ilo foi cegado pela deusa por ter desvelado
a estátua do Paládio, cuja contemplação era vedada aos mortais. Transformou
Aracne em aranha por ela ter desafiado Atena em uma competição de bordado;
transformou Mérope em uma coruja por ela ter ridicularizado os olhos cinzentos
da deusa e zombado dos outros deuses; enlouqueceu Aias Telamânio porque ele
ameaçara matar os líderes gregos durante a Guerra de Troia; matou Laocoonte e
seus filhos mandando duas serpentes marinhas estrangulá-los, para impedir que
ele revelasse aos troianos o segredo do Cavalo de Troia, e fez a peste desolar
a Arcádia porque seu príncipe Têutis a ferira acidentalmente. Transformou
Medusa em um monstro por ela ter gabado sua beleza como superior à de Atena, depois
ajudou Perseu a matá-la e fixou sua cabeça em seu escudo (ou sua égide,
conforme outras versões), com o que aterrorizava seus inimigos.[26]
Atena assiste Hércules, pintura em cílice, c. 480-470
a.C. Coleções Estatais de Antiguidades
Por outro lado, Atena mostrou sua face benevolente
favorecendo outros personagens. Para evitar que Corônis, princesa da Fócida,
fosse violentada por Posídon, transformou-a em corvo. Também para proteger
Nictímene de destino semelhante transformou-a em coruja e a tomou como seu
animal simbólico. Levou Poliboia para o Olimpo e lhe conferiu a imortalidade;
ajudou Argos, artesão de Iolcos, a construir o navio que levou seu nome e
conduziu os Argonautas; deu o sangue da Medusa para Esculápio a fim de que ele
aumentasse seus poderes curativos; ensinou a Dédalo a arte da construção;
ajudou Dânao a construir um barco para que fugisse da Argólida com suas filhas,
e mais tarde as purificou pelo assassinato de seus maridos; inspirou Epeu para
que construísse o Cavalo de Troia; ensinou a Eurínome a arte da tecelagem e
concedeu-lhe a sabedoria, conseguindo para ela também um bom esposo; também
ensinou às filhas de Coroneu e às de Pândaro a arte da tecelagem; restituiu a
vida a Pérdix sob a forma de um faisão em recompensa pelas invenções que havia
transmitido à humanidade; cegou Tirésias por ele tê-la visto nua a se banhar,
mas compensou-o concedendo-lhe o dom da profecia; deu dentes de dragão a Eetes,
rei da Cólquida, e a Cadmo, rei de Tebas, para que eles dessem origem a uma
raça de guerreiros;[27] favoreceu Perseu em seu combate contra Medusa, esteve
sempre pronta a auxiliar Hércules em seus Doze Trabalhos, foi de grande ajuda
para os gregos durante a Guerra de Troia e em particular para Aquiles e
Odisseu, como já foi mencionado,[19] e ajudou Belerofonte a capturar Pégaso
instruindo-o e dando-lhe uma rédea especial, de ouro, para que ele pudesse
domá-lo.[28]
Seus atributos
Como deusa da guerra, Atena é a perfeita antítese de
Ares, o outro deus encarregado desta atividade. Atena é dotada de profunda
sabedoria e conhece todas as artes da estratégia, enquanto que Ares carece de
todo bom juízo, prima pela ação impulsiva, descontrolada e violenta, e às
vezes, no calor do combate, mal sabe distinguir entre aliados e inimigos. Por
isso Ares é desprezado por todos os deuses, enquanto que Atena é universalmente
respeitada e admirada. A falta de sabedoria de Ares explica sua invariável
derrota sempre que confrontou Atena. O princípio simbolizado por Ares é por
vezes mais necessário quando se trata de desbravar um território hostil e
fundar ou conquistar uma cidade, ou quando a violência é absolutamente
incontornável diante de uma situação desesperada, mas é incapaz de criar
cultura e civilização e manter a sociedade numa forma estável, integrada e organizada.[29]
Este papel cabe a Atena, a deusa da sabedoria, da diplomacia, da coesão social
- lembre-se que ela é a protetora por excelência das cidadelas, o núcleo vital
das cidades -, instrutora nas artes e ofícios manuais produtivos, especialmente
o trabalho em metal e a tecelagem, que enriquecem o espírito e possibilitam a
continuidade da vida em comunidade.[29][30] Ela torna a guerra um instrumento
social e político submetido ao intelecto, à disciplina e à ordem, antes do que
um produto da pura barbárie e das paixões irracionais. As próprias derrotas
repetidas de Ares diante de Atena, seu atributo como domadora de cavalos e, na
disputa pela Ática, sua vitória contra Posídon, um deus conhecido por seu
caráter turbulento, vingativo e irascível, confirmam a submissão da força bruta
à soberania e ao equilíbrio da justiça e da razão. Entretanto, quando decide
lutar nela não se encontra nenhuma hesitação ou fraqueza, e sua simples
presença pode bastar para afugentar o inimigo.[29]
Orestes entre Atena, uma Fúria possivelmente Tisífone e
Apolo. Pintura em cratera, c. 330 a.C. Museu Britânico
Oficina de Fídias: Atena e Hefesto, relevo do Partenon,
c. 447–433 a.C. Museu Britânico
Na qualidade de guerreira Atena é invencível e pode ser
tão implacável quanto Ares, mas isso não a priva de traços mais doces, o que
Ares não possui. Vários episódios do seu mito a mostram em relações afetuosas
com seu pai e com os seus protegidos, e sua fidelidade e devoção podem ser
profundas. Ela tem ainda um inigualável senso de justiça e, como a virgem
divina, de pureza, como provou várias vezes: puniu personagens tomados pela
húbris ou que profanaram seus templos, protegeu donzelas prestes a serem
violadas e foi dura contra o comportamento indigno dos pretendentes de
Penélope, além de ter corrigido várias injustiças, como quando devolveu a vida
a Perdix, que fora morto por seu tio invejoso, ou quando, num julgamento
público em Atenas, seu voto dissolveu a maldição que caíra sobre Orestes,
perseguido pelas Erínias por conta do matricídio que cometera cumprindo uma
ordem direta de Apolo.[31] Por esta razão Atena é considerada a divindade
tutelar dos julgamentos e dos júris, e a fundadora mítica das cortes de justiça
ocidentais, substituindo a tradicional punição por vingança pela penalidade
baseada em princípios consagrados num sistema legal formalizado.[32]
É possível que em tempos remotos Atena tenha sido uma
deusa da fertilidade[33] e tido o caráter maternal de todas as Grandes Mães da
pré-história, sendo identificada com a rocha da Acrópole de Atenas que, como em
regiões da Anatólia (uma das possíveis rotas de entrada dos povos indo-europeus
na colonização primitiva da Grécia), se identificavam com as montanhas de suas
cidades onde se erguiam as cidadelas. Ela pode ter tido ainda uma virgindade
renovável anualmente, como se dizia que Hera possuía, um traço ligado aos
ciclos naturais de renovação sazonal, mas de qualquer modo em tempos clássicos
sua virgindade perene se tornou canônica. Ainda que no mito clássico a relação
entre Atena e Hefesto no nascimento de Erictônio tenha sido conflitiva, eles
aparecem frequentemente juntos na arte grega, ambos são considerados
co-instrutores da humanidade nas artes, e em vários lugares dividiam um culto
deste tempos remotos, o que levou Cook a sugerir que em uma fase primitiva, não
documentada, Hefesto pode ter sido um verdadeiro esposo de Atena. Em algumas
interpretações do mito pelos apologistas da época a deusa foi-lhe de fato dada
em casamento, como prêmio por ele ter livrado Hera de um trono que a prendia
(feito pelo próprio Hefesto), ou por ter criado o raio para Zeus usar como
arma, ou por ter ajudado no parto da deusa, embora em nenhuma das versões a
união realmente se consumasse.[34]
Platão fez uma descrição do elo entre Atena e Hefesto,
o deus das forjas e das artes metalúrgicas, dizendo que eles possuem a mesma
natureza, primeiro porque, como meios-irmãos, possuem o mesmo pai, e segundo,
porque seu mesmo amor pelo conhecimento e artes os leva para os mesmos fins. Os
dois deuses compartilhavam da região de Atenas e, ainda segundo Platão, ela com
razão deveria pertencer a eles, sendo naturalmente adequada para a virtude e o
pensamento. Tendo instalado ali como habitante um povo respeitável, eles
organizaram a cidade de acordo com os seus desejos. Atena e Hefesto dividiam
culto num templo na acrópole e outro na cidade baixa, num bairro habitado por
artífices. Daí que Atena se tornou a padroeira dos carpinteiros, dos tecelões,
dos construtores de navios e carruagens, dos ceramistas, e atribuía-se a ela a
invenção das rédeas para domar cavalos, do carro de guerra, do arado e da
flauta. Todas essas atividades envolviam habilidade manual e inteligência
prática, algumas traziam em si um toque de magia, exigiam um definido senso
estético que era então incluso no domínio da sabedoria, e definiam parte de seu
caráter como doméstico, familiar e civilizador. Na Ilíada ela aparece dizendo
que é a sabedoria e não a força bruta o que produz um bom artesão na madeira.
Considerava-se a habilidade de construir um navio ou carruagem como sendo em
essência a mesma que fazia um bom piloto ou cavaleiro, envolvendo os dons da
atenção concentrada, disciplina, destreza física/manual e capacidade de
estabelecer metas e segui-las até o fim. Da mesma forma o conceito se aplicava
aos tecelões, lavradores e ceramistas.[35]
Tendo como um de seus símbolos a oliveira, que
oferecera como seu presente à cidade de Atenas em sua fundação, Atena era uma
imagem da perenidade e vitalidade da pólis, e protetora de um dos seus produtos
agrícolas mais importantes, o óleo de oliva, e tornou-se uma poderosa imagem de
esperança e renovação para os gregos especialmente depois da guerra com os
persas, quando a antiga oliveira sagrada da acrópole, incendiada no saque da
cidade pelos inimigos, voltou a brotar. A ela era consagrado um olival na área
da Academia, que produzia o óleo oferecido como prêmio aos vencedores dos jogos
atléticos de seus festivais.[36] A oliveira era ainda um dos indicativos da sua
ligação com a fertilidade da terra e com a agricultura, aspectos que estavam
por sua vez ligados ao lado feminino da natureza, o que conduz a outra das
ambiguidades de Atena a respeito da dinâmica dos princípios da geração e da
virgindade, do masculino e do feminino, em sua própria identidade, que era
fortemente andrógina e paradoxalmente encontrava escasso paralelo na sociedade
grega e em especial nas mulheres de seu tempo. Para aqueles gregos era
fundamental que suas filhas permanecessem virgens até o casamento, mas era
também fundamental que depois elas fossem capazes de constituir família gerando
prole. Atena, a sempre virgem, repudiava desta forma valores básicos da
sociedade grega.[37]
Guerreira, altiva e independente, também contrastava
com o hábito da época que mantinha as mulheres em grande parte submissas ao
homem, confinadas a atividades domésticas e delas exigia modéstia, mas por
outro lado era a patrona da tecelagem, da fiação e do bordado, artes
eminentemente femininas. Sua maior aproximação da maternidade foi a adoção e
educação de Erictônio, e por isso foi chamada de kourotrophos, a que cria os
homens jovens, mas também isso a conduziu a um maior contato com o princípio
viril, como protetora de heróis. Mesmo a versão que a dava como filha de Métis,
fazendo dela, assim, a receptora e transmissora de uma forma feminina de
sabedoria, com o passar dos séculos foi amplamente sobrepujada pela versão que
excluía uma mãe em seu nascimento, novamente ligando-a ao mundo masculino, e
mais quando, no período clássico, o conceito de sabedoria, com a qual ela era
identificada, deixou de significar uma habilidade que tinha muito um caráter
prático, passando para o domínio do pensamento filosófico abstrato, também um
apanágio dos homens.[37] Outro aspecto relacionado é referido em uma ode de
Píndaro, onde se encontra uma descrição de Atena como aquela que dissolve o
poder demoníaco da Grande Mãe ctônica e torna o princípio feminino seguro e
acessível às atividades e instituições masculinas da pólis, possibilitando
assim a continuidade do modelo ateniense de civilização.[38]
Mito e política
Atena confrontando Posídon, pintura em vaso, século VI
a.C.
O mito de Atena exerceu uma influência decisiva no
estabelecimento da identidade e da própria sociedade atenienses, e por extensão
em toda a cultura da Grécia Antiga. Formou-se entre os atenienses uma ideia de
que sua cidade era amada pelos deuses a partir da disputa entre Atena e
Posídon, significando que eles tinham o desejo de se estabelecer
preferencialmente ali.[39] Mesmo tendo sido derrotado, Posídon simbolizou,
através da fonte de água salgada que fizera nascer, em algumas versões um
verdadeiro mar, o futuro poderio marítimo dos atenienses.[40] A fertilização da
terra ática pela semente de Hefesto foi outro elemento formador nesta noção,
tornando o território sagrado, inaugurando com Erictônio uma dinastia de reis
de origem pretensamente divina, e fundando com isso um povo que podia
reivindicar para si uma prestigiosa autoctonia. Religião, mito e política
estavam inextrincavelmente ligados, havia legislação vinculando inúmeros
aspectos da vida religiosa à prática cívica, a ponto de fundirem-se Religião e
Estado. Todo o mito de Atena foi extensivamente usado no discurso político da
época para dar forma e fixar o modelo da sociedade ateniense, e, com o pretexto
de "civilizar" os estrangeiros, substanciou as suas pretensões
imperialistas sobre os bárbaros e mesmo sobre seus vizinhos gregos. Os oradores
chegaram ao ponto de deduzir a democracia do princípio da autoctonia ateniense,
equiparando igualdade política (isonomia) a igualdade de origem (isogonia).
Segundo Loraux, desta forma a lei (nomos) era estabelecida sobre o fundamento
da natureza (physis), e o povo assim legitimava seu poder — imbuindo a
coletividade com um alto nascimento (eugenia), os cidadãos autóctones eram
todos iguais porque eram todos nobres (mas entenda-se "todos" como
apenas os que detinham a cidadania ateniense). Dando um passo além, os oradores
orgulhosamente sobrepunham Atenas a todas as outras pólis, que para eles
constituíam uma heterogênea reunião de intrusos estabelecidos num território
que imaginavam seu por direito divino. A índole guerreira de Atena, destacando
suas qualidades viris, associada à sua virgindade perpétua, jamais
"entrando na casa de um homem", fazia com que ela jamais abandonasse
a "casa de seu pai", permanecendo sob a direta influência de Zeus, o
patriarca por excelência, e tal fato se tornou uma das bases míticas do
patriarcado local e da primazia do homem sobre a mulher na sociedade e na
política ateniense.[41][42] Também o mito de Teseu foi incorporado ao de Atena
dentro de um viés político, pelo fato de que ele era considerado o unificador
da Ática, sendo celebrado ao lado de Atena tanto no festival da Synoikia como
nas Panatenaias.[43]
Culto
Ver artigos principais: Panatenaias, Paládio
(mitologia), Atena Polias e Partenon
Atena teve o seu centro de culto mais importante em
Atenas, cidade da qual era a padroeira, uma proteção estendida a toda a Ática.
Em muitos locais Atena era cultuada em associação com outras divindades e
heróis, como Erictônio, Hefesto, Posídon, Deméter e Teseu. Nos ritos que
estavam associados a funções legais muitas vezes era servida junto com
Zeus.[44] Mas não se limitou à Ática, ao contrário, como uma deusa urbana por
excelência, protetora das cidades, a presença de Atena é atestada em quase toda
a volta do mar Mediterrâneo, penetrando pelo oriente até a Pérsia. Seus
atributos e o seu culto conheceram assim infinitas variações, o que torna
impossível defini-los como homogêneos. De fato, como observou Deacy, houve
tantas Atena quantas foram as cidades que a adotaram em suas religiões,[45] e
se registram dezenas delas onde Atena era não apenas cultuada, mas se tornara a
divindade principal.[46] Cabe, porém, um detalhamento do seu culto em Atenas e
entorno, onde adquiriu uma importância excepcional.[45]
Das várias festas dedicadas em sua honra, como a
Plintéria e a Escirafória, as Panatenaias eram as mais importantes, pois além
de serem uma grande celebração religiosa, tinham grande impacto na vida
política e social, e influíram decisivamente na produção artística ao longo de
dez séculos, oferecendo uma quantidade de novos motivos temáticos e formais
para os artistas.[47] Alguns estudiosos acreditam que os hinos cantados em
homenagem a Atena nas Panatenaias ao longo do século VI a.C. contribuíram para
a fixação da forma canônica dos grandes épicos da Ilíada e da Odisseia.[48]
Todo o culto de Atena estava de alguma forma ligado à agricultura, a mais
importante fonte de subsistência para os gregos, mas tinha outras associações e
se projetava no seu mito.[49] E neste culto a principal atenção recaía sobre a
Atena Polias, que concentrava em si todos os múltiplos atributos de Atena. Era
ela quem recebia as mais importantes e ricas oferendas e homenagens. Era
servida por um grupo de sacerdotisas, e a principal entre elas em Atenas era
escolhida na família dos Eteobutadae. A mesma família provia um sacerdote para
o culto paralelo de Erictônio e Posídon. A principal função das sacerdotisas
era receber as oferendas e realizar preces e rituais. O culto era faustoso,
recebendo centenas de ofertas de estátuas e objetos de prata e ouro. Atena
tinha, além disso, direito a 1/60 de toda a arrecadação de Atenas e dos
territórios sob sua jurisdição, o que podia chegar à soma de dez talentos em
alguns anos, algo como seis milhões de dólares em valores atuais. Para gerir
esses recursos era designado um corpo de funcionários especiais, eleito em
votação.[50] Os templos de Atena presumivelmente tinham um caráter ao mesmo
tempo de casa familiar aristocrática, onde meninas da elite recebiam uma
educação esmerada, contando com mestres, servos e escravos. Era ainda o local
onde jovens eleitas se tornavam discípulas das sacerdotisas para futuramente
servirem à deusa.[51]
Festivais
Nice oferecendo um ovo a uma serpente enrolada em torno
do pedestal do Paládio, junto com um guerreiro que observa. Cópia romana de
obra helenista, Museu do Louvre
O festival da Plintéria tinha como centro a limpeza
anual da mais antiga e mais sagrada dentre as imagens da deusa conservadas na
acrópole, o Paládio, que era honrado com um fogo perpétuo e segundo a tradição
fora capturado pelos gregos que lutaram em Troia. Era realizado por um pequeno
grupo de sacerdotisas na lua nova entre fins de maio e início de junho, longe
das vistas do público, numa cerimônia propiciatória e purificadora que
encerrava um ciclo agrícola e magicamente preparava o ciclo seguinte.
Aparentemente o rito se desenrolava todo na acrópole, e iniciava com a remoção
de seu manto, seguido da colocação de um véu sobre a estátua despida e lavagem
do manto; um ou dois dias depois a própria imagem era lavada, recebia seu manto
limpo e era adornada com uma coroa de ouro e outros ornamentos preciosos, além
de possivelmente ser ungida com óleo. A lavagem da estátua estava associada ao
nascimento da deusa e recontava as primeiras celebrações dedicadas a Atena em
tempos imemoriais. O festival se repetia em toda a Ática e em várias outras
localidades gregas, apresentando muitas variações, mas todas as descrições
remanescentes de ritos gregos são pobres em detalhes. Também a época do ano em
que a Plintéria era celebrada podia variar de acordo com costumes locais.[52]
O festival da Escirafória acontecia na lua cheia
seguinte, era compartilhado com Deméter e tinha como tema a debulha dos grãos
da colheita. Uma procissão saía da acrópole em direção aos campos do oeste de
Atenas para inaugurar o processo de separação dos grãos do joio, o que
constituía a última fase dos trabalhos agrícolas do ano, junto com o
armazenamento. Erictônio, o filho adotivo de Atena, também era celebrado na
Escirafória e tinha um templo para si, o Erecteion, pois sendo um deus ctônico,
do mundo subterrâneo, estava associado à agricultura.[53]
Coroava o ciclo o festival das Panatenaias, quando,
dois meses depois da Plintéria, todo o grão havia sido debulhado e armazenado.
As Panatenaias só adquiriram a primazia entre os festivais depois que o culto
de Deméter em Elêusis foi instituído no século VI a.C., quando os ritos da
debulha perderam importância em sua associação com Atena. As Panatenaias de
dividiam em duas: a Grande Panatenaia, comemorada a cada quatro anos envolvendo
grandes celebrações, e a Pequena Panatenaia, anual, de caráter mais
limitado.[53] Aparentemente até o tempo de Pisístrato não se fazia distinção
entre ambas, e só então o festival foi reformulado com duas versões bem
diferenciadas em amplitude e esplendor, que não obstante ao longo do séculos
sofreram outras modificações.[54] Corriam duas explicações para a origem da
festa: uma dizia que fora fundada por Erictônio, e outra, possivelmente
posterior, por Teseu. O festival da Grande Panatenaia estruturava toda a vida
cívica de Atenas. Marcava a substituição dos tesoureiros do Partenon,
acarretava o aumento dos tributos cobrados das cidades do império ateniense, e
se exigia que os embaixadores renovassem as relações interestatais dez dias
antes das comemorações. O prestígio da Grande Panatenaia equiparava-se ao dos
outros grandes festivais pan-helênicos e atraía visitantes de todo o mundo
grego, embora a participação efetiva em alguns de seus eventos estivesse
restrita aos atenienses - para um estrangeiro, ser convidado a participar
representava uma grande honra. Além da parte religiosa se realizava
concomitantemente uma variedade de outros eventos, como banquetes, regatas,
jogos atléticos, corridas de cavalos, representações musicais e teatrais,
brigas de galos, récitas poéticas e mesmo seminários filosóficos. A sequência
exata dos ritos e dos outros eventos não é citada em nenhuma fonte conhecida.
Possivelmente se iniciava com os jogos, que se desenvolviam ao longo de alguns
dias, seguindo-se uma procissão e sacrifícios.[55][56]
Hoplitodromistas, pintura em uma ânfora panatenaica, c.
323–322 a.C. Museu do Louvre
Os jogos faziam referência ao papel de Atena nas
guerras primordiais entre os deuses e os gigantes, além de marcarem
oficialmente a passagem do ano e com isso simbolizarem a renovação de toda a
sociedade. Nos jogos havia espaço para cantos e danças rituais de caráter
guerreiro e encenações de combates onde atores personificavam os deuses e seus
inimigos míticos, que além de honrarem a deusa tinham funções apotropaicas,
afugentando maus espíritos.[57] Provavelmente os jogos foram uma inserção
relativamente tardia no ciclo das Panatenaias, datando de meados do século VI
a.C., quando estava em ascensão o culto do herói, e assim se explica a associação
paralela de Teseu aos festejos.[58] Seus vencedores recebiam como prêmios gado
e as cobiçadas ânforas panatenaicas, cheias do óleo das oliveiras consagradas a
Atena. A procissão, realizada no dia 28 do mês de hekatombaion, definido como o
dia de aniversário de Atena, também desempenhava função importante no festival,
e espelhava tanto a hierarquia social da cidade como o caráter feminino da
deusa: nem todos os estratos sociais podiam fazer parte dela, a abertura do
cortejo oficial era dominada por mulheres e o encerramento era composto apenas
por jovens virgens da classe superior.[57] O funcionalismo do Estado também
participava em peso, todos acompanhados por grande multidão portando oferendas,
ornamentos e ramos de oliveira. Muitos a seguiam montados em cavalos ou em
carruagens. Estrangeiros costumavam acompanhá-la vestindo túnicas púrpura e
levando salvas de prata contendo bolos e favos de mel, suas filhas levavam
vasos de água.[59] Na noite anterior, partindo do olival sagrado da Academia,
ocorria uma corrida com tochas que relembrava Hefesto por sua associação com
Atena e Erictônio. A procissão seguia o mesmo percurso da corrida de tochas,
mas partindo do portão noroeste da cidade, e seu objetivo principal era o
transporte, até o santuário da Atena Polias, de uma grande túnica ritual,
ricamente bordada por meninas, mostrando cenas do seu mito, a fim de substituir
a túnica ofertada no festejo anterior, mas pouco se sabe como transcorria a
cerimônia de entrega e investidura na sua estátua. De todas as oferendas
dedicadas a Atena neste dia a mais importante era um selo que materializava um
vínculo formal entre a deusa e sua cidade.[60][61] A data era comemorada também
com a libertação de escravos.[59]
Oficina de Fídias: Gado sendo levado ao sacrifício na
Panatenaia, detalhe do friso sul do Partenon, c. 447–433 a.C. Museu Britânico
Os sacrifícios eram igualmente ricos, mas há alguma
discordância sobre seus detalhes. Em linhas gerais cada cidade da Ática, cada
colônia de Atenas e cada outra cidade em sua dependência enviava um touro para
ser abatido. Mesmo em anos de dificuldades econômicas, como foi o caso de
410-409 a.C., os sacrifícios podiam contar com cem animais, a um custo de mais
de cinco mil dracmas (cerca de quinhentos mil dólares atuais). Anos de riqueza
podiam testemunhar um abate de trezentas vítimas. Seus chifres eram recobertos
de folha de ouro, e perto do meio-dia a sumo-sacerdotisa ordenava o início dos
sacrifícios. Uma donzela lançava grãos de trigo sobre a cabeça do touro e em
seguida ele recebia um golpe na cabeça. Depois o animal era erguido pelos
atendentes, sua garganta era cortada, e o sangue recolhido em vasos era lançado
aos pés do altar como a primeira oferenda aos imortais. Sua carne era então
distribuída: a deusa recebia os ossos das coxas envoltos em gordura, que eram
queimados no fogo do Grande Altar, quando se iniciavam coros, preces e música
de flauta. Partes do coração, fígado e rins eram assadas no mesmo fogo e
oferecidas aos oficiais do governo; o fígado também servia para os áugures
fazerem profecias e desvendarem a vontade dos deuses. O restante da carne era
dado no fim da tarde à população, após ser fervida em caldeirões e o povo orar
pela prosperidade da República. Na mesma ocasião Atena, em seus atributos de
Nice, Parteno e Higieia, recebia sacrifícios especiais de acordo com o
atributo.[59][62][63]
Quanto à Pequena Panatenaia, era em muitos pontos
semelhante à Grande, mas suas comemorações eram bem mais modestas e
limitavam-se à cidade de Atenas, sem um caráter pan-helênico. Ao que parece não
era entregue uma túnica a Atena e também a presença de jogos é discutível, mas
quase de certeza se realizavam uma procissão e sacrifícios.[64]
Um outro festival era o da Procaristeria, um dia de
ação de graças celebrado quando os grãos começavam a brotar, significando que a
deusa estava nascendo. Na ocasião todos os funcionários públicos da cidade lhe
faziam sacrifícios. Licurgo disse que era, de todos, o festival mais
antigo.[65] Também é digno de nota outro rito de Atena, relatado por Varro, que
envolvia o sacrifício de um bode uma vez por ano na acrópole. Durante um
período o bode foi considerado seu animal sagrado, pois se acreditava que sua
couraça havia sido feita com a pele deste animal. Contudo, os bodes eram
presenças vetadas na acrópole, pois segundo a tradição um bode danificara a
oliveira sagrada que ali crescia, e tampouco eram usualmente oferecidos em
sacrifício à deusa. A exceção anual a isso enfatizava a importância da
cerimônia, sugerindo, como pensa Frazer, que este bode era então tido como uma
verdadeira encarnação da deusa.[66]
Outras regiões
Alguns exemplos de seu culto em outras regiões podem
dar uma ideia sobre a sua diversidade. Em Lindos, na ilha de Rodes, que como
muitos locais reivindicava ser o local de nascimento de Atena, seus sacrifícios
tinham a peculiaridade de ser executados sem fogo.[44] Em Argos se realizava a
Plintéria não na acrópole local, mas uma estátua de Atena era levada em
procissão até o rio e ali despida e banhada. Os homens eram impedidos de
assistir, pois podiam incorrer na ira de Atena e ser cegos se a vissem nua.[67]
Na Líbia os seus ritos estavam associados aos da ninfa aquática Tritonis e eram
realizados por sacerdotisas vestidas com armaduras. Em Tebas ela era adorada
como deusa da cidade mas não tinha templo, e as cerimônias se davam diante de
uma estátua e altar ao ar livre. Em Coroneia era uma deusa da paz, da poesia e
da vegetação, e seu culto estava ligado ao mundo subterrâneo, adorada
juntamente com Hades. Em tempos clássicos em praticamente todas as partes o
culto de Atena se caracterizou por ter uma feição civilizada para os padrões da
época, sem sinais de traços orgiásticos ou bárbaros, coincidindo com a
progressiva purificação do mito que fez dela uma deusa perenemente virgem, mas
há relatos sobre a sobrevivência de práticas bastante rudes em alguns locais isolados,
onde teriam sido realizados sacrifícios humanos destinados a aplacar sua ira,
rememorando episódios do mito, como quando a deusa furiosa teria jogado as
filhas de Cécrops da rocha da acrópole por terem desobedecido suas ordens, ou
quando vingou o ultraje a Cassandra. Parece que até o século IV a.C. ainda se
faziam sacrifícios humanos num rito que ligava Lócris e Troia. De Lócris se
enviavam duas donzelas por ano para Troia, usando uma túnica simples, sem
sandálias e de cabelos raspados. A primeira enviada era morta pelos troianos,
seus ossos eram enterrados em uma suntuosa cerimônia, e suas cinzas jogadas de
uma montanha dentro do mar. A outra donzela era admitida no templo de Atena e
se tornava uma sacerdotisa. Porfírio relatou que na Laodiceia em tempos remotos
também foram feitos sacrifícios humanos.[68]
Templos
O Partenon em Atenas
Templo de Atena em Lindos
Até o presente não há evidências suficientes para
apontar onde foi fundado o primeiro santuário de Atena, mas o local onde hoje
se veem as ruínas do Erecteion, uma construção do século V a.C., deve ter
abrigado em tempos anteriores um dos mais antigos templos dedicados à deusa,
havendo ali vestígios de construções datadas do período micênico. A partir de
meados do século VI a.C. há notícia de diversos templos de grandes proporções
já erguidos em várias cidades.[69] De todos eles o mais célebre foi o Partenon
de Atenas, cujas ruínas ainda são visíveis na acrópole local. Ele se tornou um
dos mais conhecidos ícones da cidade e de toda a cultura grega, e constitui um
exemplo prototípico do templo grego em estilo dórico. Foi construído após o
saque de Atenas e destruição da acrópole pelos persas em 480 a.C., substituindo
uma estrutura mais antiga, sendo um dos marcos artísticos inaugurais do período
Clássico. Este foi o tempo de Péricles, que reorganizou a cidade devastada e,
mais do que isso, conseguiu consolidar a posição de Atenas como a maior força
política e cultural em toda a Grécia daquela época. Relatos antigos referem a
rapidez com que as obras se realizaram, congregando toda a sociedade no esforço
da reconstrução, e o orgulho que os atenienses sentiam pelo magnífico
resultado, visto como um símbolo do poderio e prestígio ateniense. A
reconstrução esteve sob a supervisão artística de Fídias, renomado escultor,
que se responsabilizou também pelo projeto da decoração escultural do templo e
pela ereção de duas estátuas monumentais de Atena, realizadas por ele
pessoalmente.[70][71][72] Apesar do nome pelo qual se tornou conhecido, segundo
indicam registros oficiais do período, o Partenon foi dedicado à Atena Polias,
a padroeira da cidade, mas sabe-se que entre o povo ela recebia comumente o
epíteto de Parthenos, "a virgem", e daí ter-se-ia fixado o nome de
Partenon.[73] De qualquer forma, a despeito de sua significância política, de
sua fama ao longo dos séculos por sua importância arquitetônica e também
escultural — o templo foi decorado com ricos frisos em relevo e nele estava
instalada a colossal estátua criselefantina de Fídias, a Atena Parthenos — de
acordo com Mikalson, o Partenon tinha um papel quase insignificante dentro do
culto de Atena propriamente dito, que ficava concentrado no Erecteion, onde
residia a Atena Polias. O Partenon era, na prática, mais o depósito do tesouro
da Atena Polias do que verdadeiramente um local de culto, e sequer possuía um
altar ou sacerdotes.[74]
Outros templos foram construídos por toda a Ática e
além, como na Jônia, Beócia, Lídia, Rodes, Tessália, Eubeia, e várias outras
regiões. Dentre os templos extra-áticos foram particularmente destacados os da
Jônia, cujas cidades possuíam todas um templo de Atena, sendo especialmente
ricos os de Smirna e Mileto. Em Esparta a estrutura mais importante em sua
acrópole, um templo todo em bronze, era devotada a Atena. Na Beócia se reputava
como de grande antiguidade o santuário de Queroneia, sede de uma festividade
própria, a Pan-beócia, que comemorava a renovação mítica de todos os beócios.
Contudo, a localização dos vários templos citados na literatura antiga é
extremamente difícil, pois as descrições disponíveis em geral não concordam com
as ruínas que atualmente são identificadas como dedicadas à deusa.[44]
Sincretismo
Atena foi associada na Grécia Antiga a duas deidades
menores: Nice, a deusa da vitória, por sua natural associação com a guerra,
sendo chamada Atena Nice e recebendo um culto particularizado em templos
próprios,[75] e Higeia, deusa da saúde. Higeia parece ter sido considerada uma
emanação de Atena. Embora identificada com a saúde, em especial a saúde mental,
a Atena Higieia não deve ter sido envolvida primariamente com o tratamento dos
doentes. Antes, deve ter sido relacionada à "guarda" da saúde e
simbolizado o conceito de que a saúde poderia ser preservada se o homem vivesse
de acordo com a razão, o bom senso e o ideal da mente sadia em um corpo sadio,
popularizado pelos romanos na expressão mens sana in corpore sano.[76] Em
Esparta os doentes dos olhos buscavam auxílio invocando Athena Ophtalmitis.[77]
Diversas outras divindades cultuadas na orla do Mediterrâneo
foram sincretizadas com Atena por apresentarem traços em comum, em geral os que
as faziam deuses guerreiras, aumentando o número de variantes de seu culto e
influindo na sua iconografia. Este fenômeno ocorreu no período helenístico,
quando as expedições militares de Alexandre, o Grande levaram a cultura grega
para o oriente e Egito, havendo registro de moedas com a efígie de Atena
cunhadas até na Ásia central e periferia indiana.[78] Na Pérsia e em torno do
deserto da Arábia ela foi identificada com Ishtar e Allat,[79][80][81] e foi
sugerido que possa ter-se identificado com Anahit, deusa da fertilidade e
equivalente de Inana ou Ishtar.[79][82] Na Armênia associou-se com Nané, parte
da trindade armênia e responsável pelo atributo da proteção.[83] Plutarco disse
que, no Egito, Ísis era chamada de Atena porque expressava a ideia de que havia
nascido de si mesma, relacionando-a à virgindade e à auto-suficiência,[84] e
Platão afirmou que em Saís fundiam-na com Neite, pelos atributos da guerra e da
tecelagem, e ambas tinham um mesmo animal simbólico, a coruja.[85] Em Chipre e
na Fenícia foi associada com Anat, a "virgem e destruidora",
protetora das cidadelas.[86]
Minerva, obra romana, século II. Museu do Louvre. Seus
atributos são os de Atena: o elmo na cabeça, o gorgonião ao peito, na sua mão o
mocho-galego
De todos o mais conhecido, importante e duradouro
sincretismo de Atena aconteceu por obra romana, vinculando-a à deusa Minerva.
Minerva tinha originalmente quase os mesmos atributos de Atena — deusa das
artes, trabalhos manuais, dos ofícios e da guerra —, mas sua associação com a
guerra se verificou em data tardia. Entretanto, Minerva nunca chegou a ter a
mesma importância relativa no panteão romano como teve Atena entre os gregos. É
possível que Minerva tenha sido introduzida em Roma pelos etruscos, que
mantinham desde antes dos romanos um estreito contato com a Grécia. Minerva
fazia parte da trindade capitolina junto com Júpiter e Juno, correspondentes a
Zeus e Hera. Seu santuário na colina do Aventino era um ponto de reunião das
guildas de artífices, poetas e atores. Seu culto era associado ao de Marte
(Ares) e seu maior festival era o Quinquatro, um festival de artesãos. Assim
como Atena era chamada de Higieia entre os gregos, um importante atributo de
Minerva era o ligado à cura, chamando-a de Minerva Medica, epíteto que se
disseminou por todo o território romano. No tempo de Pompeu Minerva já estava
integralmente identificada com Atena, e nesta forma permaneceu pelos séculos à
frente, quando os nomes Atena e Minerva se tornaram, para os ocidentais, quase
que perfeitamente intercambiáveis.[87][88] Segundo Graf,
"Na iconografia, no mito e na função ritual
Minerva é inseparável da Atena grega. As poucas diferenças entre a romana e a
grega podem ser vistas como desenvolvimentos em um outro lugar, outro tempo, e
outra sociedade. […] Mas qualquer traço desta divindade (Minerva) foi
obliterado pela identificação romana com a Atena grega — uma identificação que
remonta ao período arcaico. Esta identificação foi, em parte, obra de artífices
gregos itinerantes trabalhando em Roma, mas também porque os próprios romanos
aceitaram a Atena Polias em seu capitólio. Como consequência, qualquer
diferença maior em relação a Atena desapareceu na imagem tardia de Minerva. […]
Há uma única função de Minerva que parece ter sido especificamente romana: a
Minerva curadora, Minerva Medica. Mesmo que possa ter havido uma ligação com a
Atena Higieia, houve uma mudança na ênfase: enquanto que Atena Higieia é uma
protetora estática da saúde, Minerva se tornou uma curadora ativa, uma
médica." [89]
Através da expansão romana para o norte Atena/Minerva
foi sincretizada com deidades celtas, como Belisama, Sulis, Brighid, Brigância
e Dona, embora muitas vezes elas tivessem pouco em comum com o caráter original
de Atena, podendo ser deusas da fertilidade, grandes mães ou deusas
aquáticas.[90][91][92] Outra fusão ocorreu com a deusa romana Belona, cujo
atributo era especificamente a guerra. Os gregos identificavam Belona com a sua
Ênio, uma das deusas assistentes de Ares, variavelmente descrita na literatura
grega como sua companheira, mãe ou nutriz, mas na prática a iconografia de
Belona e Ênio era indistinguível da de Atena.[93] No final da Idade Média
alguns mitógrafos retornaram à associação de Atena, chamada então às vezes de
dea bellorum (deusa das guerras), com Belona, pois ambas se dedicavam às
atividades militares e a identificação pareceu-lhes natural.[94] Boccaccio
chegou a afirmar que havia diversas Minervas, uma delas sendo Belona, e Chaucer
chamou Atena de "a Belona de Marte".[95]
Iconografia
Atena sob a forma de coruja armada, 410–390 a.C.,
pintura em enócoa ática, Museu do Louvre
Estáter de Corinto, 345-307 a.C., com o Pégaso e no
verso a efígie de Atena com o elmo laureado
Atena foi representada um sem-número de vezes ao longo
da história da Grécia Antiga, tanto sob a forma de pinturas como de estátuas,
ex-votos e relevos, foi cantada em hinos e poemas e penetrou na dramaturgia. Os
episódios de seu mito que mais foram representados na Antiguidade foram o seu
nascimento, a disputa com Posídon, seu papel na guerra contra os Gigantes, e a
história de Erictônio.[96] Ela usualmente é mostrada com um aspecto belo e
nobre, mas austero, e ostenta os atributos de uma guerreira: usa um elmo,
carrega uma lança e um escudo, e enverga a égide, onde frequentemente está a
cabeça da Medusa. Ao contrário das outras deusas gregas, que aparecem mostrando
sua nudez, ela está invariavelmente vestida, simbolizando a sua condição de
eterna virgem. Ela pode aparecer junto com outras figuras acessórias, como a
serpente, Nice, a personificação da vitória, ou a coruja.[97] (Thompson refere
que a coruja de Atena é uma espécie definida, o mocho-galego, mas na
bibliografia consagrou-se a denominação genérica de coruja).[98] Podem estar
presentes também ramos ou um tronco de oliveira, a árvore que lhe era
consagrada.[97]
Alguns de seus atributos, como a associação com uma ave
e com a serpente, traem a antiguidade do seu mito e sugerem uma origem
oriental, estando documentados em pinturas de vasos e outros artefatos que
datam de tempos pré-históricos, especialmente numerosos do período geométrico
em diante. Em algumas dessas representações Atena aparece com asas, ou é ela
mesma figurada sob a forma de uma ave, que pode ser uma águia, um abutre, uma
gaivota, um mergulhão, uma pomba ou outras. No período clássico fixou-se sua
identificação com a coruja, e Aristófanes informou que existia uma crença de
que a deusa aparecera sob esta forma para os gregos diante de seu exército
durante a guerra contra os persas.[99]
Da mesma maneira a serpente é uma companheira comum em
sua iconografia, um animal que tinha na religião antiga múltiplos significados,
geralmente em associação com os ritos de fertilidade e renovação, com as forças
primordiais da criação, com o mundo subterrâneo, com o lado feminino da
natureza e com os domínios aquáticos. A serpente também podia ser uma representação
vicarial de Erictônio, o deus serpentino e primeiro dos reis míticos de Atenas,
seu filho adotivo. Às vezes outras serpentes decoravam a égide, num eco
plástico das serpentes que substituíram os cabelos da Medusa, tendo, neste
aspecto, a função simbólica de paralisar os inimigos, "transformá-los em
pedra" pelo medo diante do poderio invencível da deusa. O olhar da Medusa
tinha o poder de transformar em pedra quem o retribuísse, um poder que não se
extinguia nem com sua morte. Perseu teve o extremo cuidado de não olhar em seus
olhos quando matou o monstro, e numa versão de seu mito usou a cabeça decepada
para petrificar o titã Atlas, fazendo-o olhar para ela, transformando-o no
monte Atlas. Depois, o herói deu a terrível cabeça para Atena, para que a colocasse
na égide. Na Antiguidade Clássica a imagem da cabeça da Medusa aparecia em
amuletos para afugentar o mal, conhecidos como gorgonião.[97][100][101] Durante
o período clássico sua imagem era um equivalente alegórico da própria cidade de
Atenas, aparecendo também em moedas e sob a forma de marcos fronteiriços
assinalando os limites da jurisdição ateniense.[102] Até o século VII a.C.,
entretanto, a identificação segura da deusa pode ser problemática, dada a
diversidade de representações; mesmo depois ela nem sempre ostenta todos os
seus atributos identificadores em uma mesma representação, e há casos em que
ela não mostra nenhum, sendo identificada unicamente através do contexto em que
a imagem foi encontrada ou por alguma inscrição. Na Ilíada, Odisseu,
encontrando Atena, protesta dizendo quão difícil era reconhecê-la, dado o seu
poder de assumir qualquer forma.[103]
Atena do tipo Prômaco, Museu Arqueológico Nacional de
Nápoles
A mais sagrada das imagens de Atena em toda a Grécia
Antiga era o Paládio, cuja origem lendária já foi citada.[104] Apesar de a
reivindicação de Argos da posse do verdadeiro Paládio troiano ser a mais antiga
entre as cidades gregas, tanto Atenas como Esparta alegavam que o possuíam por
terem-no confiscado dos argivos. A relíquia era considerada tão preciosa que
mais tarde outras cidades também reivindicaram para suas estátuas tutelares a
mesma autenticidade. Até mesmo Roma alegou possuí-lo.[44] O Paládio devia
seguramente datar de tempos remotos e poucas vezes foi representado na arte
grega, assumindo, de fato, uma variedade de formas. Há uma certa confusão na
literatura antiga entre o Paládio ateniense e a estátua conhecida em datas
tardias sob o nome de Atena Polias, a que recebia a maior parte das oferendas e
o culto principal. Podem ter sido a mesma estátua, mas Jeffrey Hurwit acredita
que eram duas estátuas diferentes, permanecendo a Atena Polias na acrópole e o
Paládio na corte de justiça da cidade.[105][106]
Contudo, em termos de importância artística as mais
notáveis foram as duas estátuas monumentais que Fídias criou para a acrópole,
que contribuíram significativamente para difundir a imagem da deusa.[107] Uma
delas, a Atena Promacos (campeã, a que guerreia na vanguarda), permanecia a céu
aberto e era feita de bronze, financiada pelo espólio arrebatado dos persas em
Maratona. Tinha dez metros de altura e podia ser vista desde o mar. Instalada
em c. 456 a.C., permaneceu na acrópole até que Constantino I a levou para
Constantinopla, onde foi destruída no século XIII. Sua aparência exata é
obscura, só sobrevivem imagens dela em moedas romanas com pouco detalhamento,
mas derivações posteriores mostram o tipo Promacos em atitude claramente
agressiva, em ato de avançar com uma perna estendida para a frente, com um
braço bem erguido segurando uma lança que está prestes a arremessar, e vestida
com uma armadura, elmo e escudo.[108][109][110] Zósimo escreveu dizendo que
quando os godos penetraram da acrópole retrocederam espantados diante da
estátua imensa.[111]
Atena Varvácio, cópia muito reduzida da Atena Partenos
de Fídias, século III a.C. Museu Arqueológico Nacional de Atenas
Atena combatendo um gigante, Altar de Pérgamo, século
II a.C. Museu de Pérgamo
Mosaico do século III d.C. com imagem de Atena (a
moldura é moderna). Museus Vaticanos
Mais impressionante era a outra estátua, a Atena
Partenos, entronizada dentro do Partenon. Foi iniciada em torno de 447 a.C. e
completa em cerca de 438 a.C..[112] Pausânias relatou que ela tinha um cerne de
madeira e fora recoberta com marfim e ouro. Estava de pé, na mão direita
segurava uma imagem de Nice, a Vitória, e com a outra empunhava uma lança, ao
lado da qual, junto ao chão, havia um escudo e uma serpente que representava
Erictônio. Seu elmo era coroado por uma esfinge ladeada de grifos, sua túnica
chegava-lhe aos pés e no peito portava a égide com a face da Medusa. No
pedestal, um relevo narrava a história do nascimento de Pandora, no escudo se
mostrava por fora a Amazonomaquia e por dentro a Gigantomaquia, e sobre suas
sandálias, a Centauromaquia. Segundo Plínio, o Velho, a estátua tinha 26
cúbitos de altura, cerca de 12 metros.[113][114] Aparentemente no século V
ainda permanecia em seu templo, mas um relato do século X diz que estava nesta
época em Constantinopla.[115] A Athena Parthenos foi copiada várias vezes em
tamanho menor, e é possível ter uma vaga ideia da original através da Athena
Varvakeion, hoje no Museu Arqueológico Nacional de Atenas, uma reprodução de
escasso mérito artístico, mas considerada a mais fiel de quantas há. Outras
cópias foram executadas sob forma de relevos, moedas e oferendas votivas em
miniatura.[116] Uma reconstrução moderna da Athena Parthenos em seu tamanho
original foi feita em Nashville pelo escultor Alan LeQuire, e inaugurada em
1990. O projeto foi orientado pelas respeitadas pesquisadoras de arte grega
Brunilde Ridgway e Evelyn Harrison.[117][118]
Também de grande importância são os conjuntos
decorativos do Partenon, todos exaltando Atena e glorificando a excelência de
seu povo, seus deuses e suas vitórias contra os persas, tidos como um povo
bárbaro.[119] O friso em relevo mostra uma longa cena processional, com uma
profusão de deidades, homens e animais, que se julga uma representação da
Grande Panatenaia, um motivo sem precedentes na escultura grega que se
interpreta como uma metáfora da ordem e harmonia ideais do império ateniense
através de uma imagem unificadora de um ritual público entre a metrópole e suas
colônias, aliados e cidades-satélite. Ao mesmo tempo, formalmente o friso
representa uma síntese renovada do estilo narrativo empregado na decoração
escultural da região sob influência ateniense.[120] O tema do frontão oeste é a
disputa entre Atena e Posídon pela proteção da Ática, que consta no mito
fundador de Atenas. Os dois deuses aparecem em confronto, mostrados sobre
carruagens conduzidas respectivamente por Nice e Anfitrite, e com figuras
secundárias de mortais e personificações de rios nas laterais. Por trás de
Atena se coloca Hermes e junto a Posídon, Íris, os mensageiros de Zeus.[121] Já
o frontão leste trata do nascimento de Atena, outros tema inédito na escultura
grega. Em vista da perda do grupo central a identificação temática ficaria para
sempre uma incógnita se não fosse uma breve citação de Pausânias. Restam os
grupos laterais de Hélio e Selene com os cavalos de suas carruagens, e alguns
outros personagens secundários. Estudiosos desde o século XIX têm tentado
reconstruir a cena do centro, com resultados sempre hipotéticos e com variados
graus de aceitabilidade.[122]
Atena permaneceu uma figura comum na arte do período
clássico e além, sendo conhecidas obras ou referências literárias sobre
representações atribuídas aos maiores artistas gregos, entre eles, além do
supracitado Fídias, Alcâmenes,[123] Cefisódoto, o Velho, Míron, Praxíteles[124]
Agorácrito e Escopas.[125] Da fase helenística é importante sua representação
na maior realização em escultura do período, o Altar de Pérgamo, mostrada a
combater um gigante.[126] Na assimilação da Grécia por Roma, continuou sendo
representada em vários meios.[127] Seu sincretismo com a deusa romana Minerva
já foi descrito, e sua iconografia permaneceu em linhas gerais inalterada. A
influência de Atena sobre Minerva foi tão grande que não se conhecem imagens
desta última antes da fusão de ambas as deidades, e em termos de aparência as
duas são indistinguíveis.[88]
Atena na pós-antiguidade
Idade Média
Embora tidos como verdadeiros seres vivos, cuja
existência era real, desde o século VI a.C. se faziam críticas às descrições
literárias dos deuses engajados em comportamentos violentos ou de moralidade
duvidosa, como muitas vezes apareceram em Homero e Hesíodo, e iniciou-se uma
tradição de se interpretar suas ações numa leitura alegórica, como uma
alternativa à interpretação puramente histórica, fundando-se a mitografia. Os
mitos foram racionalizados e entendidos como alegorias de forças da natureza e
do cosmos, ou como movimentos da alma humana, ou se os relacionavam a
determinadas partes e funções do corpo. Atena materializava-se na sabedoria
opondo-se a Ares, expressão da insensatez; Zeus se tornava a mente, enquanto
que Atena era a habilidade artística.[128] Ela também estava relacionada ao
crânio, de onde nascera, e à respiração, que se acreditava estar ligada à
função do pensamento,[129] e relatos antigos referem sua associação, em
localidades isoladas, ao céu claro, à aurora, ao éter, ao trovão, ao relâmpago,
aos olhos, ao sol ou à lua.[130] Na era romana se popularizou uma outra
interpretação, chamada evemerismo, que entendia os deuses como homens e
mulheres históricos, cujos feitos haviam sido magnificados pela tradição,
acabando por serem divinizados. A abordagem alegórica dos textos dos poetas
canônicos e dos mitos que eles relatavam frutificou ao longo de vários séculos,
até que o cristianismo entrasse em cena, causando uma dissociação entre os
métodos mitográficos e sua substância e objeto, com duas consequências de largo
alcance. A primeira, dizendo respeito aos métodos, nasceu das acirradas
controvérsias teológicas entre judeus e cristãos e entre cristãos e pagãos,
permitindo aos apologistas adaptarem para o judaísmo ou o cristianismo o método
de racionalização dos mitos clássicos, preservando-os para a mitografia
medieval, quando as aparentes imoralidades do próprio Velho Testamento foram
postas em evidência e alegorizadas. O segundo resultado, relativo ao conteúdo
dos mitos, foi imprevisto pelos escritores cristãos, pois atacando o paganismo
na tentativa de erradicá-lo, preservaram para a posteridade muitas passagens
dos mitos clássicos e suas interpretações pelo simples fato de as
descreverem.[131]
Atena não saiu ilesa na campanha cristã contra o
paganismo. Como exemplo, Clemente de Alexandria interpretou a multiplicidade
das versões existentes de seu mito como uma evidência de falsidade essencial da
religião pagã, e condenou a imoralidade de uma das versões onde ela aparecia
como filha do gigante Palas, tendo assassinado seu pai e o esfolado para fazer
com sua pele sua couraça. Outros escritores distorceram ainda mais esse
episódio transformando-o em uma história de incesto e mutilação.[132] Em 391, o
imperador Teodósio I (r. 378–395) baniu oficialmente o paganismo, mas por algum
tempo isso teve relativamente pouco efeito sobre o vasto acervo acumulado de
arte pagã, e embora a tendência tenha sido de entregar templos e decorações à
sua própria sorte, entrando eles em um estado de progressiva degradação, até o
século VI houve tentativas de se preservar várias edificações e obras
importantes como um testemunho da antiga glória do Império Romano. Mais do que
isso, os princípios formais da arte pagã, ao invés de serem também banidos
junto com sua religião original, continuaram sendo usados à larga, mudando-se
apenas os temas, servindo como verdadeiro alicerce para a nascente arte cristã.
Entretanto, os tempos mudariam mais uma vez. Em torno do século VI, com a
religião cristão firmemente no poder, orientada por uma nova interpretação do
universo e imbuída de outra moral, a política para as artes passou a ser da
ridicularização dos temas e da condenação moral da nudez clássica,
orquestrando-se uma sistemática erradicação do seu acervo iconográfico, que se
tornava, enfim, mais o lembrete do que se queria esquecido numa cultura que se
organizava de modo muito diferente. Nisto, o valor daquela arte deixou de ser
reconhecido. Uma infinidade de templos, esculturas, pinturas e relevos foi
depredada e destruída muitas vezes apenas para o reaproveitamento do material.
Mármores foram transformados em revestimentos de novas construções, bronzes
foram fundidos para confecção de armas, e obras em ouro e prata foram também
fundidas para recuperação do material precioso. Neste processo generalizado de
destruição, perdeu-se também a maior parte da iconografia antiga de
Atena.[133][134][135]
Igreja de Santa Maria sobre Minerva, Assis, um templo
de Minerva transformado em igreja católica
De qualquer modo, a cultura pagã não podia ser
erradicada de todo, pois estava na base da cultura europeia, e muito de suas
tradições, filosofia e arte, se não nos temas e forma pelo menos em essência,
conseguiu sobreviver envergando o novo traje do cristianismo e servindo a um
novo contexto. Atena permaneceu, a despeito de ataques, como um dos deuses
antigos de maior apelo simbólico para as eras posteriores. Em termos
funcionais, o imaginário formado em torno da Virgem Maria é um exemplo
significativo, pois ela passou a ocupar um papel semelhante ao que Atena
ocupava na mitologia: uma mulher poderosa dentro de um sistema patriarcal,
incorporando vários atributos da deusa, incluindo, significativamente, o da
virgindade perpétua. Diversos dos antigos santuários de Atena ou Minerva foram
transformados em igrejas marianas e a iconografia primitiva da Virgem
ocasionalmente a mostra com um aspecto militar. No século IV ela chegou a
aparecer ostentando a égide de Atena em seu peito, incluindo a cabeça da
Medusa.[136][137] O próprio Partenon foi transformado, em data obscura, em
santuário mariano dedicado a Nossa Senhora de Atenas. A tradição se repetia,
pois o povo passou a chamar Maria simplesmente de Parthenos, a Virgem, assim
como fizera séculos antes com sua antiga deusa.[137][138] Maria, assim como
Atena, também passou a ser uma protetora das cidades. Uma crônica do século VII
afirma que habitantes de Constantinopla, então sitiada, viram a Virgem aparecer
sobre seus muros brandindo uma lança e exortando o povo à resistência.
Provavelmente essa assimilação foi enfatizada quando se transferiram as
estátuas de Fídias que estavam na Acrópole de Atenas para a capital
bizantina.[136][137]
A partir do relato de seu nascimento da cabeça de Zeus,
símbolo da mente divina, Atena permaneceu viva também na tradição gnóstica e em
outras correntes de esoterismo cristão medieval - herdeiras da filosofia
clássica e helenística e inspiradas em textos bíblicos como o Cântico dos
Cânticos, o Livro da Sabedoria e o Eclesiastes. Transformada em Mater Magna
(Grande Mãe) ou, mais comumente, Sophia, a sabedoria divina, era a
personificação do aspecto feminino e materno de Deus, tida como o poder
criativo por excelência, o verdadeiro demiurgo do universo, e o objeto
primordial do desejo humano.[139][140][141][142] Embora o conceito esotérico de
Sophia tenha sido combatido pelo cristianismo ortodoxo, especialmente por sua
alusão à maternidade e feminilidade de Deus, não obstante foi uma presença
constante na literatura mística medieval, alimentando também a simbologia da Cabala
judaica.[143] Outro exemplo foi a transferência de atributos de Atena para os
retratos de algumas das primeiras imperatrizes bizantinas, continuando um
costume que havia sido iniciado durante a sincretização de Atena e Minerva em
Roma. A imagem de Atena/Minerva foi aplicada, ademais, a pesos de balanças
romanas e bizantinas, alguns deles de refinado acabamento artístico, usados por
mercadores cristãos possivelmente até o século VIII, fato justificado por uma
expansão do seu atributo da sabedoria: sabedoria →
julgamento justo → medição exata. Há, com isso, boas razões, como afirmou McClanan,
para dizer que Atena sobreviveu, como um influente símbolo cultural, muito
depois da supressão
oficial do paganismo.[144]
Atena em ilustração de Remígio de Auxerre em seu
comentário de Capella. A legenda identifica Atena como Virgo armata descens,
rerum sapientia, Pallas (Desce Palas, a virgem armada, a sabedoria das coisas).
século IX. Biblioteca Nacional da Áustria
Camafeu com as figuras de Posídon e Atena, século XIII.
Biblioteca Nacional da França
Por volta dos séculos IX-X escritores cristãos passaram
a dar ao legado da antiguidade pagã uma apreciação mais positiva, aplicando-lhe
uma leitura alegórico-moralizante impregnada de estoicismo e neoplatonismo, mas
inserida dentro da órbita cristã, ainda que se renovasse a condenação do
politeísmo como um erro fundamental. Escoto Erígena, nascido no século IX na
Irlanda, que na época era a única região europeia fora da Grécia onde ainda se
estudava grego, traduziu várias fontes originais e descreveu Atena como
virtuosa, cuja sabedoria está em perpétua renovação, sem corromper-se jamais.
Remígio de Auxerre, também da escola irlandesa, influenciado diretamente por
Erígena e autor de numerosas glosas e comentários sobre os clássicos, focou sua
atenção sobre as deusas, em particular sobre Atena, enaltecendo longamente a
sua sabedoria que não conhece mácula ou termo, a sua virgindade, a sua
completude, a sua integridade e sua descendência de Zeus, divindade que para os
estoicos era a Alma do Mundo. Para Remígio, Atena significava a memória e o
engenho incendiados pelo fogo divino e eterno, a sabedoria mais pura e mais
alta, apresentando a deusa como uma intermediária entre o céu, imagem do
macrocosmo, e a terra, o microcosmo, expressando na terra aquela sabedoria sob
a forma das artes. O caráter guerreiro de Atena era um sinal da força da
sabedoria, sugerindo que o conhecimento é o melhor caminho para a paz. Ambos os
escritores trabalharam sobre o livro De nuptiis, de Marciano Capela, um
escritor pagão do século V que foi um dos primeiros organizadores do sistema
das artes liberais, tão importante para a educação medieval, dando um lugar
destacado a Atena como senhora da sabedoria, à qual serviam todas as artes. Com
seus comentários, Erígena e Remígio, em linhas gerais repetindo a abordagem de
Capella, deram a Atena novo relevo no pensamento cristão. Levando as ideias de
Remígio adiante, o Segundo Mitógrafo do Vaticano, um escritor anônimo que pode
ter sido o próprio Remígio ou alguém de seu círculo, apresentou Atena como o
ideal da vida monástica, uma figura cujas ambiguidades sexuais transcendiam a
problemática do gênero singular.[145]
No século XI Guillaume de Conches expandiu e aprofundou
o gênero mitográfico, sendo o primeiro a estudar de forma consistente e
integrada os deuses e o problema da sexualidade humana dentro da vida de
contemplação religiosa, tentando aproximá-los num contexto filosófico coerente
que valorizava o corpo feminino. Ele analisou de maneira original o episódio do
concurso de beleza de que Atena participou, centrando-se no efeito da
frustração do desejo sexual masculino, e entendendo o corpo sexualizado da
mulher como um signo cultural, isso numa época em que o monasticismo estava em
alta, com seus ideais de negação do corpo, abstinência e racionalização do
desejo, disciplinas consideradas necessárias para os objetivos espirituais.
Para ele, Atena era a imagem da vida contemplativa, a mais elevada, e Páris, o
juiz do concurso e símbolo da vontade humana, como a maioria dos homens,
entregando o prêmio a Afrodite, a vida de volúpia, faz uma escolha que no fundo
lhe é prejudicial.[146] Nesta mesma época os estudos clássicos já estavam
bastante avançados em várias partes da Europa. No Império Bizantino surgiu uma
espécie de culto literário dos antigos mitos, sendo aceita consensualmente, e
já sem ressalvas piedosas contra o paganismo, a leitura das narrativas pagãs
como símbolos imbuídos de verdades profundas, válidos dentro da cultura cristã,
e capazes de explicar vários aspectos do mundo.[147] No norte da França,
através da atuação das primeiras universidades, o estudo dos clássicos deu as
bases para a formação da filosofia humanista, de larga influência subsequente
no pensamento e na arte do Renascimento.[148][149]
Com essa popularização da tradição pagã, Atena ou
Minerva, virtualmente indistinguíveis, começaram a reaparecer em representações
literárias e visuais em vista do seu potencial simbólico.[150] Pierre Bersuire,
engajado na cristalização do ideal cavaleiresco, em seu Ovídio Moralizado
mostrou Atena como aquela que concede ao rei, o perfeito cavaleiro, as graças e
virtudes necessárias para o estabelecimento de uma nova Idade Dourada,
armando-o com o escudo cristalino da prudência, o espírito cristão e a iluminação
espiritual.[151] Bersuire foi influente sobre Chaucer, que apresentou Atena em
seus Contos de Canterbury como a harmonia, unidade, fortaleza, a sabedoria que
traz a paz de Deus, e como a paz que emerge do conflito. Robert Holcot reiterou
sua ligação com as artes liberais, louvou o caráter incorruptível de sua
sabedoria e disse que ela era vestida por três túnicas: a gramática, a retórica
e a dialética.[152] Boccaccio escreveu que Minerva possuía um elmo para
significar que os conselhos de um homem sábio permanecem ocultos e bem defesos;
usava uma couraça porque o homem sábio está sempre precavido contra os golpes
da Fortuna, e era armada com uma longa lança para significar que as ações do
homem sábio têm um longo alcance e suas invenções eram um benefício para a
civilização. Como um homem de seu tempo, Boccaccio resistia em acreditar que
tantas qualidades pudessem ser encontradas em uma mulher real, e considerava
até potencialmente perigosa uma mulher que exibisse dotes intelectuais
publicamente, ainda que louvasse as que o faziam no círculo privado de seus
lares.[153]
Idade Moderna
Botticelli: Atena e o Centauro, c. 1482. Galleria degli
Uffizi, Florença
A frutificação do humanismo medieval deu-se no
Renascimento, quando a Igreja perdeu parte de seu poder e a sociedade se abriu
para uma maior laicização, ao mesmo tempo em que o interesse pela cultura da
antiguidade clássica atingia um ponto próximo da obsessão, com uma intensa
recuperação de textos e relíquias artísticas da antiguidade, a volta ao estudo
do grego e a disseminação de referências mitológicas por todas as áreas da
cultura, arte e ciência. O amálgama entre cristianismo e neoplatonismo se
tornou íntimo e complexo, particularmente na Itália, e deu origem a uma rica
proliferação de representações na arte e obras interpretativas em filosofia que
incorporavam livremente também tradições esotéricas como a astrologia, a magia
e a cabala, todas buscando uma explicação mais racional para os fenômenos da
natureza, a vida humana e os dogmas da religião.[148][154][155][156] Um bom
exemplo do estado de coisas foi a decoração da Capela dos Planetas no Templo
Malatesta em Rimini, uma igreja católica, onde aparecem em tranquilo convívio
santos cristãos, símbolos astrológicos e divindades grecorromanas, incluindo
Atena. A educação nos clássicos e na mitologia pagã deixava de ser ameaça à
vida do homem cristão renascentista, ao contrário, agora era uma fonte de
prestígio e passava a fazer parte da linguagem intelectual e artística
corrente. Ataques contra essa tendência massiva de fato apareceram, mas foram
exceções, uma vez que até mesmo os altos prelados católicos buscavam e
encorajavam o mesmo tipo de educação.[157] Neste contexto, não foi surpresa a
presença de alegorias mitológicas nas inscrições, panóplias e arcos triunfais
levantados para as comemorações da coroação do papa Leão X em 1513, onde
figuravam conspicuamente Atena e Apolo ao lado de outras representações que o
mostravam como o novo Leão de Judá, um dos títulos do Messias.[158]
Marcantonio Raimondi: O julgamento de Páris, gravura,
c. 1517. Museu Britânico
Maria de Medici por Paul Rubens, 1622
Ao mesmo tempo, os antigos mitos recebiam leituras
inovadoras, atribuindo-lhes novos significados.[159] Neste momento Atena, ao
lado de Ártemis, assumiu um papel destacado como fonte de sabedoria e deusa da
Razão, influenciando fortemente também a ideologia do amor, aqui dialogando com
Afrodite e buscando um termo médio entre os excessos idealistas e castos do
amor cortês e as demandas da vida conjugal, onde a sexualidade não pode ser
ignorada.[160] Num período em que o corpo humano voltava a ser admirado por sua
beleza, sendo o homem considerado o centro da Criação e imagem da
Divindade,[161][162] coube a Marcantonio Raimondi introduzir em c. 1517 uma
grande novidade em sua iconografia, mostrando pela primeira vez a deusa nua e
abrindo caminho para uma renovação de larga descendência em suas
representações, em geral aproveitando-se como tema o concurso de beleza julgado
por Páris, mas também outros episódios de seu mito.[163][164]
Em outras áreas, atribuiu-se-lhe o patronato da
filosofia e também se estabeleceu sua ligação com a paz, a harmonia social, a
liderança política e o bom governo, sendo retratada ao lado de dinastas e
condottieri, ou estes lhe tomavam atributos, o que lhes emprestava prestígio e
legitimava o seu status social e poder como líderes iluminados, pacificadores e
promotores da civilização e das virtudes. O simbolismo de Atena foi
entremesclado também com os da deusa romana Pax ("Paz") e da virtude
cardeal Prudência, além disso incorporando em suas imagens às vezes o elmo ou a
armadura a seus pés, em chamas, significando a extinção da guerra. Entretanto,
isso não lhe retirava mérito militar, continuando a representar aquela que dava
bons conselhos na guerra, conduzia à vitória, inspirava aos atos de heroísmo
pessoal e coletivo e infundia nas mulheres a coragem, a sabedoria e o fogo da
virtude. Bons exemplos destas associações foram as medalhas e retratos
italianos ligando Atena à Casa dos Médici, e a série de pinturas de Vasari, que
fundiu com sutileza traços de Atena e de Afrodite para criar suas
caracterizações de Judite, o que lançou as bases de fértil iconografia pelos
séculos adiante. Por fim, Atena firmou uma ligação com a verdade, a ciência, o
comércio, o aprendizado, as academias e as artes em geral, especialmente em
seus aspectos científicos e intelectuais.[165]
Ao longo dos séculos XVI e XVII o potencial simbólico
de Atena/Minerva permaneceu sendo explorado pelas realezas europeias, ora para
a glorificação também de mulheres à testa dos reinos. Ela se tornou uma imagem
comum associada a regentes francesas como Catarina de Médici, Maria de Médici e
Ana de Áustria, louvadas como protegidas da deusa e retratadas ostentando seus
atributos, uma frequência explicada pelo fato de essa associação minimizar o
impacto de uma governante mulher em um país onde a lei sálica as impedia de
assumir o trono por direito próprio. Na conhecida série de pinturas de Peter
Paul Rubens sobre a vida de Maria de' Medici, Atena aparece como sua protetora
e instrutora. Na última obra da série Maria se torna quase uma encarnação da
deusa guerreira, aparecendo de elmo à cabeça, com uma armadura aos pés, canhões
ao fundo, carregando uma Nice na mão direita e na esquerda um cetro que mais
parece uma lança. O seio à mostra, porém, enfatizava sua maternidade.[166] Isabel
I da Inglaterra foi apresentada como "a nova Minerva",[166] e durante
o reinado de Jaime I Atena passou a identificar a própria nação britânica,
suplantando as identificações com Britânia ou Astreia, os antigos numes
tutelares da nação. Mais tarde, no século XVIII, a própria Britânia já havia
incorporado a iconografia de Atena. Entretanto, adaptando-se à realidade local,
Atena/Britânia em vez de uma lança costuma ostentar um tridente, símbolo de
Posídon, o deus dos mares, e por consequência da Grã-Bretanha como ilha e
potência naval. Esta simbologia permaneceu em alta até meados do século XX,
muitas vezes empregada também com intenções satíricas.[167]
Contemporaneidade
Atena tendo abaixo o lema revolucionário francês -
Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Fachada do Museu de Belas Artes de Dijon
John Tenniel: Ilustração satírica de 1868 mostrando
Britânia ameaçando o rei Tewodros II, referente à questão abissínia. A imagem é
uma transposição quase integral da iconografia de Atena, salvo pelo tridente
O Grande Selo do Estado da Califórnia, 1879
Em toda Europa e América a passagem do século XVIII
para o XIX foi marcada pela emergência da corrente neoclássica, com uma
novamente massiva recuperação de protótipos da Antiguidade clássica em todos os
domínios da cultura e arte.[168] Os principais templos de Atena, o Partenon, o
Erecteion e o templo de Atena Nice, todos na Acrópole de Atenas, se tornaram
paradigmas para imitação em larga escala, tanto para a edificação pública como
para residências privadas.[169] Sob a influência do iluminismo o mito de Atena
permaneceu integrado à vida cultural do ocidente, mas operou-se uma importante
mudança de foco em sua análise: ela continuou sendo vista como a patrona das
artes e símbolo da sabedoria, da virtude e da razão, mas as alegorizações
cristianizantes que vigoraram desde a Idade Média já não ocupavam mais o centro
das atenções. Em seu lugar a ênfase se transferiu para suas associações com a
cultura e as artes em si e com o mundo do pensamento político, como uma corporificação
de altos ideais democráticos e cívicos. Segundo Deacy & Villing nenhum
outro deus do panteão grego conheceu contemporaneamente tamanha popularidade
quanto Atena ou sua encarnação romana, Minerva. Tornou-se uma presença
constante na literatura e nas artes visuais do ocidente, sua imagem reapareceu
em inúmeras cidades, instalada em edifícios públicos importantes, casas
editoriais se colocaram sob sua égide, foi uma inspiração para líderes
políticos, influenciou e associou-se a outras figuras simbólicas e gerou
considerável bibliografia no campo dos estudos clássicos em geral e da
arqueologia. No terreno particular da mitografia as conquistas realizadas pelos
eruditos, especialmente entre o fim do século XIX e início do XX, na reunião
enciclopédica de informações sobre seu mito, culto, iconografia e outras,
dispersas em várias fontes, permanecem até nos dias de hoje insuperáveis e
determinaram os rumos de toda a pesquisa subsequente.[170]
Na França, a presença de Atena se tornou tão forte que
sobreviveu à destruição em massa de símbolos religiosos durante a Revolução
Francesa, onde até mesmo imagens da Virgem, Cristo e os santos cristãos foram
objeto de depredação. Agora recebendo o nome de Liberdade, Atena transfigurada
tornou-se a nova divindade da República. Uma estátua sua foi instalada na Praça
da Revolução, onde estava a guilhotina, e sua simbologia ficou tão ligada à
política nacional que foi adotada, depois da Revolução, como protetora da
academia de Ciências Morais e Políticas.[166]
Assim como Atena se tornou popular entre os franceses,
conheceu grande divulgação na Inglaterra e nos Estados Unidos.[171] Na
Inglaterra ilustrações neoclássicas de Atena inundaram a literatura mesmo em
reedições de obras mais antigas como as de Shakespeare e Milton, uma prática
que se estendeu até o período vitoriano,[172] lado a lado com a continuidade
das representações de Britânia como Atena.[167] Nos Estados Unidos, em 1792 um
busto de Atena como a Padroeira da Liberdade Americana foi instalado debaixo do
púlpito dos oradores do Congresso em Filadélfia.[173] Em Kansas City chegou a
ser instituído um festival anual em homenagem à deusa, o Sacerdotes de Palas,
com grandes festejos que comemoravam o progresso e incluíam um cortejo de
carros alegóricos e a distribuição de souvenirs com a sua imagem.[174]
Ela se tornou um modelo de feminilidade e um ícone de
um nacionalismo místico para os Confederados durante a Guerra Civil
norteamericana, e segundo Carter "não havia um sermão que não iniciasse e
terminasse com um tributo em sua honra, raramente um discurso de bravura não
abria e encerrava com o barulho dos escudos e o floreio das espadas de sua
glória… as tropas confederadas entravam em batalha na convicção mística de que
ela estava combatendo ao seu lado".[175] Em 1863 uma estátua da Liberdade
foi colocada no topo do Capitólio em Washington, e outras foram instaladas em
vários locais de importância cívica, novamente combinando atributos de Atena
com os da Liberdade, a Verdade, a Fé ou outras virtudes, e incorporando uma
simbologia ligada à Roma republicana e à Atenas democrática, às vezes mudando
sua lança por uma espada, uma tocha ou outros elementos, ou tendo um barrete
frígio na cabeça. Um dos exemplos mais conhecidos dessa simbologia eclética,
que misturava livremente influências da Antiguidade, do neoclassicismo e do
romantismo nacionalista, é a Estátua da Liberdade de Nova Iorque.[173]
Incorporou ainda um outro elemento iconográfico: a balança, representando a
justiça, recuperando uma tradição que remontava à Roma Antiga e Bizâncio, como
já foi descrito.[176]
Estátua diante do Parlamento Austríaco
No mesmo período estátuas de Atena foram instaladas em
vários importantes palácios e edifícios públicos europeus e de outros países.
Citando apenas alguns exemplos, está num dos relevos do Arco do Triunfo de
Paris;[2] num dos frontões do Palácio do Louvre, Napoleão I, sob o aspecto de
Gênio da França, aparece invocando a proteção de várias divindades, incluindo
Atena; uma cópia da famosa Atena Giustiniani foi colocada nos jardins
monumentais do Peterhof em São Petersburgo;[177] uma grande estátua foi erguida
diante do parlamento da Áustria;[178] outra está na Academia de Atenas,
instalada sobre uma coluna flanqueando a entrada principal, fazendo um par com
uma estátua de Apolo no outro lado;[179] foi colocada nos jardins do
Schlossbrücke em Berlim;[3] e nas fachadas do Círculo de Belas Artes de
Madri,[4] e do Ateneu de Londres.[180] Nesta cidade ela também foi mostrada em
um monumento em homenagem a Horatio Nelson na Catedral de São Paulo, onde ela
aponta para o herói indicando às crianças que estão junto a si o caminho do
patriotismo e das virtudes militares.[181] Na capital de Cuba uma estátua sua
está no topo do Capitólio local.[182]
John Ruskin, que foi um entusiasta de Atena, disse que
ela representava para os românticos de sua geração os atributos da arte, da
literatura e das virtudes cívicas, ela era a sabedoria política e secular ao
ensinar aos cidadãos a moralidade e a indústria, e era a sabedoria estética
porque guiava as artes em direção à moral, à sutileza e à verdade superior, e
por isso construía homens de caráter nobre e bom. Disse mais: era o fogo da
alma, um guia à paixão moral, o espírito da vida, diretora da vontade humana,
radiante de todas as virtudes, uma digna companheira para a Virgem
Maria.[183][184] A Sabedoria como uma Mulher ideal, muitas vezes fundindo Atena
a outras mulheres sábias como as pitonisas, as profetisas, as sibilas, Sophia,
Maria, Io e Cassandra, aparecera na obra de vários literatos destacados desde o
fim do século XVIII, como Madame de Staël, Elizabeth Barrett, George Sand,
Robert Browning, Lord Tennyson, Charles Dickens, George Eliot e Harriet
Martineau, iniciando um processo de valorização da mulher na sociedade
patriarcal da época e contribuindo para a construção de uma imagem da mulher
artista como uma sábia, numa época em que a criação artística ainda estava
reservada preferencialmente aos homens e posta sob a tutela de Prometeu.[185]
Outro exemplo foi o da famosa dançarina Isadora Duncan, que se inspirou nos
mitos de Afrodite e Atena para a criação de suas coreografias revolucionárias,
que tiveram grande impacto sobre a dança moderna. Seus figurinos, de talhe
neoclássico, também eram concebidos como releituras das representações antigas
daquelas deusas.[186]
Palas Atena de Arno Breker, escultor ligado ao nazismo
Detalhe da Atena Lêmnia, atribuída a Fídias,
evidenciado sua égide com a cabeça da Medusa.
Cópia do Museu Pushkin
A figura da deusa foi incorporada à literatura judia
alemã desde o início do século XIX, sendo considerada patrona de Berlim e
comparada a Raquel, heroína dos tempos antigos, tornando-se um modelo de
virtude feminina de larga difusão, uma mulher alemã desenvolvida em sua forma e
potencial mais altos, um epítome da história recente de toda a Alemanha. Essa
simbologia penetrou no século XX e foi assimilada também pelo regime nazista,
numa época em que houve grande interesse pela cultura clássica, mas neste
momento o conceito de "mulher judia", na óptica nazista, se tornou
carregado de associações eróticas ameaçadoras para a desejada purificação da raça
alemã. Elas se tornaram então alvos de perseguição porque podiam ser mães e
multiplicar o número de "seres degenerados", sendo mortas ou
esterilizadas em massa.[187] Além disso, a estética idealista da arte grega
clássica se tornou novamente um modelo preferencial, interpretada no espírito
de glorificação da nação e do povo germânico. Numa gigantesca parada cívica que
foi organizada em 1937, composta por cerca de cinco mil pessoas vestidas em
trajes históricos, foi carregada uma monumental cabeça de Atena, junto a outra
da Virgem Maria, ao lado de símbolos nazistas. Na época vários pintores e
escultores alemães empregaram a imagem da deusa em suas criações politicamente
engajadas.[188] Por outro lado, Atena, segundo Hahn, aparece com impressionante
assiduidade em relatos produzidos nesta época por mulheres judias alemãs quando
descreviam a si mesmas, e também na literatura masculina a respeito dessas
mulheres.[189]
O mito de Atena se tornou um tópico atraente para
análise dos escritores interessados na psicologia desde que Freud utilizou a
simbologia da deusa como elemento importante para a sua elaboração da teoria
dos gêneros, bem como a da Medusa, para a do complexo de castração.[190] Para
Melanie Klein Atena foi uma figura central em sua ambivalente discussão do
complexo de Édipo.[191] Lawson, da escola junguiana, interpretou a história da
morte da Medusa e a instalação de sua cabeça na égide de Atena como uma
representação do processo de conquista heróica das forças do inconsciente,
colocando-as a serviço da sabedoria ou da consciência superior,[192] e
Bernstein, da mesma escola, afirmou que a maior função de Atena na mitologia
grega é moderar a impetuosidade narcisista de Ares, colocando a guerra a
serviço da consciência moral.[193]
O prestígio de Atena ao longo dos séculos desde o
Renascimento até a contemporaneidade se prova pela quantidade de artistas que a
tomaram como tema de suas obras. Citando-se apenas alguns mais conhecidos,
entre os que a representaram em pintura estão Francesco del Cossa, Botticelli,
Paris Bordone, Parmigianino, Hans Rottenhammer, Artemisia Gentileschi,
Bartholomäus Spranger, Jacques-Louis David, Anton Raphael Mengs, Gustav Klimt,
Franz von Stuck, Max Klinger, Pierre-Auguste Renoir, Ernst Ludwig
Kirchner.[194] Na escultura, Antonio Lombardo,[195] François Gaspard Adam,
Johann Gottfried Schadow, Bertel Thorvaldsen e Arno Breker,[196] e foi
personagem de composições musicais, entre óperas e bailados, de Claudio
Monteverdi,[197] Antonio Cesti,[198] Francesco Cilea,[199] Ernst Krenek,[200]
Michael Tippett[201] e Iannis Xenakis.[202] Na literatura em poesia ou prosa
apareceu em obras de William Shakespeare (que em um soneto declarou ser Atena a
sua musa),[203] John Milton,[204] Heinrich Heine, Paul Celan,[205] Oscar
Wilde,[206] William Butler Yeats,[207] Kostís Palamás,[208] Richard
Wilbur,[209] Herman Melville e Alfred Tennyson.[210]
Anos recentes
A conhecida silhueta da Estátua da Liberdade de Nova
Iorque, uma das mais célebres derivações da fertilíssima simbologia que Atena
agregou em torno de si ao longo das eras.[173]
Símbolo da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Moedas italianas de 100 liras de 1967 e 1991
Atena e Zeus representados em tatuagem no século XXI
Atena parece ser uma fonte de interesse inesgotável.
Nas últimas décadas surgiram estudos eruditos de seu mito na óptica
estruturalista, explorando suas relações com as outras divindades gregas; novas
descobertas e conclusões apareceram no que tange à origem do mito e à
evolução/distribuição geográfica de sua iconografia, culto, atributos,
sincretismos e influência cultural, e as repercussões de sua figura simbólica
se expandiram para diversas outras áreas da vida contemporânea.[211] No campo
da política, Papadopoulos considerou o estudo do par arquetípico Atena-Ares
útil para a compreensão da dicotomia contemporânea sobre a guerra e a paz no
nível das relações internacionais,[212] e Münkler colocou Atena como um símbolo
da identidade e da cultura estratégica de toda a Europa, preocupada com
resultados e não com o amor de Afrodite, mas que une competência militar com
uma sabedoria civilizada, e promove o progresso e a pesquisa científica.[213]
Sua imagem tem sido usada até no campo da análise da dinâmica econômica,
identificando períodos de reorganização de estruturas e mudança acelerada de
paradigmas como fases onde a influência de Atena é especialmente
nítida.[214][215] Nesse contexto, Mandy descreveu sua qualidade principal como
aquela que é capaz de resolver problemas,[214] e Allen a relacionou com as
capacidades de planejamento cuidadoso, colaboração, senso de oportunidade e à
questão da preservação de valores humanos dentro da prática econômica.[216] Há
poucos anos Martin Bernal lançou um livro intitulado Black Athena: the
Afroasiatic roots of classical civilization (A Atena negra: as raízes
afroasiáticas da civilização clássica), que causou enorme polêmica, propondo
uma origem afroasiática para a cultura clássica e por extensão europeia, da
qual Atena foi apresentada como símbolo.[217]
Diversos autores têm interpretado, com conclusões
divergentes ou polêmicas, a complexa sobreposição de atributos masculinos e
femininos de Atena, descrevendo-a ora como uma mulher forte, ora como
andrógina[218] e até sugerem uma inclinação ao lesbianismo.[219] Conforme a
análise, ela pode representar uma negação da feminilidade subjetiva e uma
reiteração do princípio masculino e da estrutura social patriarcal.[219] Por
outro lado, ela pode ser uma negação do princípio masculino quando rejeita a
união a um esposo, e negando o seu oposto anula sua própria identidade
feminina.[220] Para Blundell Atena transcende as classificações estanques - ela
em muitos pontos se aproxima da natureza das pessoas comuns, mas em vários
outros ficam evidentes sua diferença em relação às mulheres, tendo qualidades
claramente masculinas, e sua diferença em relação aos homens, porque afinal ela
é uma mulher.[221] Na opinião de Etzkowitz, Kemelgor & Uzzi Atena
personifica os dilemas que as mulheres de ciência encontram em sua vida, diante
da expectativa generalizada de que as mulheres sejam capazes construir uma
carreira sólida às expensas de sua vida privada e familiar, além de enfrentarem
muitos preconceitos, discriminação e ostracismo num mundo profissional
altamente competitivo modelado e dominado por homens, tanto na pesquisa pura
como na docência, da mesma forma como Atena tinha de lidar com um contexto de
predomínio masculino sem formar um núcleo familiar seu.[222] Susan Deacy,
sintetizando as opiniões correntes, disse que é surpreendente a variedade de leituras
de seu mito, em particular as feitas dentro da linha de pensamento feminista:
"Por um lado, nas últimas décadas tem sido lançada
uma multiplicidade de "projetos Atena" onde a deusa serve como uma
espécie de mentor para organizações educacionais que servem para promover o
envolvimento de mulheres e meninas em campos tais como a ciência, matemática e
tecnologia. Enquanto que esses projetos parecem encontrar um lugar para as
mulheres dentro de áreas tradicionalmente dominadas por homens, a outra tendência
tem sido considerar Atena uma traidora de seu próprio sexo, colocando-se ao
lado de homens às expensas das outras mulheres. A teoria feminista tem
apresentado Atena como o arquétipo da mulher forte que, longe de abrir caminho
para outras mulheres terem sucesso, assegura que ela permaneça como uma
exceção. Isso tem dado uma dimensão mítica às acusações que mulheres dominantes
na vida pública e política têm sofrido ao longo de toda a história… "
[223]
Nos últimos anos Atena reafirma sua presença na sociedade
e na cultura do ocidente dando seu nome a periódicos acadêmicos, centros de
saúde, cultura, ciência e arte,[224][225][226] a um navio[227] ao asteroide 2
Palas,[228] a uma família de foguetes,[229] ao conjunto de instrumentos
científicos das sondas de pesquisa em Marte[230] ao cluster de computadores do
MIT[231] ao banco de dados bibliográficos da Universidade Estadual Paulista
(UNESP)[232] a um prêmio de cem mil euros para pesquisa científica patrocinado
pela The Netherlands Organisation for Scientific Research[233] a um prêmio de
excelência profissional de Pittsburgh,[234] e a um programa da União Europeia
para financiamento de operações militares.[235] Sua imagem figurou também em
brasões, selos, moedas e condecorações,[236][237] está no emblema de diversas
instituições acadêmicas como a Universidade Técnica de Darmstadt[238] e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro,[239] é o nume tutelar da sociedade
acadêmica Phi Delta Theta[240] e seu elmo faz parte do brasão da Academia
Militar norteamericana de West Point.[241]
Atena penetrou largamente até na cultura popular, sendo
personagem do mangá e anime Os Cavaleiros do Zodíaco, do universo Marvel
Comics,[carece de fontes] do videogame The King of Fighters,[242] do seriado
Stargate SG-1,[carece de fontes] e de filmes de cinema.[243] Nessas produções
Atena geralmente é apresentada como uma guerreira, mas pode ter poderes e
habilidades que não são descritos na tradição erudita, como o domínio das artes
marciais chinesas e poderes psíquicos em The King of Fighters,[242] pode
participar de ações onde faz contato com personagens de outras mitologias, como
é o caso da Athena Panhellenios do universo Marvel[carece de fontes] ou pode
aparecer em transposições do mito para o tempo presente, como acontece nos
filmes Percy Jackson & the Olympians: The Lightning Thief[244] e no drama
coreano Athena: Goddess of War.[243] Shiro Masunume, criador do videogame
japonês Appleseed, incluiu Atena e outros deuses gregos junto de personagens
tipicamente japoneses, e disse que "hoje em dia é impossível escrever ou
mesmo conceber a cultura popular japonesa sem envolver muitas coisas do resto
do mundo".[245] Atena, por fim, emprestou seu nome a pessoas, cidades,
casas de espetáculo, hotéis, empresas e produtos comerciais.[246][247][248][249][250][251]
Uma pesquisa simples para "Athena" na internet com o buscador Google
levantou mais de 160 milhões de resultados, e mais de quinze milhões para a
versão em português, "Atena".[252][253]
Esoterismo e revivalismo religioso
Símbolo astronômico e astrológico do asteroide Palas
Antigamente, segundo informou Heródoto, Atena estava
associada ao signo de Capricórnio, porque se acreditava que a sua couraça fora
feita com a pele de um bode,[254] mas na astrologia contemporânea a deusa tem
servido de motivo temático para outras associações, ainda mais depois de um
asteroide com seu nome ter sido incorporado aos planetas na carta astrológica,
regendo variavelmente, conforme os autores, aspectos de inteligência, justiça,
liberdade, intuição, misericórdia, verdade, valores, organização, competência,
estrutura, construção da carreira profissional e integração entre mente e
corpo.[255][256][257][258] Tem sido também ligada aos signos de Virgem, por uma
relação direta com sua própria virgindade, regendo entre outras coisas aspectos
de intelecto, consciência, pureza e inteligência e sua expressão na
matéria,[259] e ao de Libra, através de seu atributo da justiça, dando aos
nativos um senso de equilíbrio, bom julgamento e harmonia, e a habilidade de
entender ambos os lados de uma disputa.[260] Na astrologia esotérica foi
considerada regente do signo de Escorpião e dos aspectos de renovação e vitória
sobre a morte,[261] no tarô corresponde à carta da Rainha de Espadas,[262] e
seus atributos já foram interpretados à luz da ioga em relação e ao controle do
pensamento e da respiração.[129]
Um altar neopagão grego com bustos de Atena e Apolo
Dentro das correntes religiosas de tendências
sincréticas, revivalistas e/ou esotéricas que vêm ganhando grande número de
adeptos, como o dodecateísmo, o xamanismo e outras, Atena deixou de ser
considerada um mero princípio abstrato ou uma alegoria, renascendo como uma
entidade viva, uma grande potestade espiritual, e vem recebendo novamente
verdadeiro culto.[263][264] Elizabeth Clare Prophet a descreveu como uma mestra
ascensionada que corporifica a consciência da Verdade em nível planetário,
sendo uma das responsáveis pela administração do karma;[265] a Wicca
ressuscitou, adaptando-os, vários ritos de Atena, como a Plintéria e a
Skirophoria;[264] e outras correntes neopagãs estão atualmente praticando uma
forma renovada da antiga religião grega como uma alternativa às tradições
judaico-cristãs, num espírito de equiparação valorativa do princípio feminino
ao masculino, de respeito à natureza e à diversidade cultural do mundo
contemporâneo, que, não obstante, têm gerado muita polêmica em seu
redor.[266][267][268] Na Grécia contemporânea o seguidores do neopaganismo têm
sido especialmente ativos; conseguiram reverter legalmente o antigo banimento
do paganismo em 2006[269] e conquistaram o seu reconhecimento oficial como
religião em 2007.[270] O Supreme Council of Ethnikoi Hellenes, fundado em 1997,
é um dos grupos que mais tem atraído a atenção, alegando ter cerca de dois mil
seguidores e cem mil simpatizantes, incluindo ramos em vários outros
países.[271][272]
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